7 de setembro de 2008

PÉROLAS

É gira a quantidade de propostas a que o trabalho me expõe.
Umas mais lícitas outras menos lícitas...

Repugnam-me particularmente aquelas lamúrias pegajosas e viciadas de quem acredita que receberá mais se der o que não deve para exigir o que não pode. A famosa cunha que se imiscui ao meu saudável prazer de me dar eu próprio com independência às necessidades daqueles que me procuram. Sou eu que me dou! Ninguem me tira aquilo que não quero dar...
Como se se esquecessem que são meus patrões, que nos seus impostos me pagam o que me devem, tão só o meu justo sustento.

Mas no meio de tanta coisa que me incomoda, às vezes- como um recolector de pérolas que vasculha ostra atrás de ostra um oceano de cascas- caem-me nas mãos pequenos tesouros que, por serem gratuitos e desinteressados, me enchem de alegria e felicidade. Gorjetas que o meu ordenado não tem como me pagar e os favores não tem forma de me dar.

Curiosamente, surgem todas quando os doentes me viram as costas, naquele momento mágico da alta, em que recuperam a independência e a gratuicidade de que necessitam para me julgar como Homem.

O doente que entrando a medo e conflituoso no serviço- aquele que me comprimentou com um ríspido "Onde é que assino os papeis para me ir já embora?"- uns dias depois, nos diz em surdina a todos que tem uma casa no Brasil e que estamos todos convidados para lá passar uns dias.

Um certo filho de uma doente, hipocondriaco do mais alto grau, que todos os dias me chagava o juizo com as mesmas perguntas ácerca do estado de saúde da mãe... Aquele que no dia em que viu a mãe ir para casa me perguntava, liberto dos seus medos, de sorriso franco montado e com um aperto de mão caloroso e agradecido, se fazia consulta no sector privado.

Os dois estenderes de mão agradecidos daquela noite de urgência: o do filho que, por causa dos meus floreados técnicos, passou doze horas a fazer-me companhia nas urgências centrais vigiando a sua mãe entre um "desculpe" e um "tem mesmo de ser" que eu volta e meia lhe lançava desconfortavel e o do marido da senhora que em dois minutos foi admitida nos cuidados intensivos com o diagnóstico de enfarte. Tão dispares nas circunstâncias, tão próximos no momento e na intensidade do seu toque.

A todos vocês o meu obrigado...
No silêncio, recuso todas essas ofertas
Mas na minha omissão, saibam que do fundo do coração já tive a minha paga:

As verdadeiras pérolas não se procuram;
Encontram-se!

Os verdadeiros tesouros não se reclamam
São-nos dados!