13 de setembro de 2008

BANHA DA COBRA

Tantas vezes olho para os meus predecessores, feiticeiros e bruxos medievais, xamãs indios, curandeiros africanos e outros tantos que tais, com um tom prepotente de bata candida, resplandecendo ciência e conhecimento.

E então, certo dia- naquele dia- tenho dois doentes na enfermaria- daqueles que hospedam em si tumores altamente malignos e avançados- internados por problemas secundários com solução óbvia. Situação habitual, não fosse um diabo de outra qualquer doença lembrar-se naquele dia de reclamar-lhes a alma diante dos meus olhos.

A um peço uma TAC, ao outro um electrocardiograma e umas análises.... Resultados óbvios: um AVC para um, um enfarte para o outro. E eu deslumbrado com a facilidade com que máquinas e tecnologias me abrem os olhos!

E toca de pensar em tratá-los...
Toca de curá-los que o lugar deles é em casa, com família e amigos.
E vai dai, rever o processo de cada um deles...
Desgraça!
Nenhum pode ser tratado: a doença, a quimioterapia e (quem sabe) a velhice roeram-lhes os corpos.

Se os tratasse, qualquer um deles morreria da cura...
Se não os tratasse, esperar que aqueles diabos não os levassem...

E naquela noite, pequenino e frágil, rebolei na cama sabendo que, fiel a um limitado Primum Non Noscere que um dia jurara, estava a tentar domesticar leopardos com pratinhos de leite;

Ainda que seja possivel chegar à percepçaõ do ínfimo detalhe daquilo que corre diante dos nossos olhos, permanecerá sempre uma ínfima centelha de Vida e Verdade que, orgulhosa e irreverente, nos escapará das mãos! Serei mesmo, por detrás de tanta ciência, muito mais do que aqueles que me precederam? Serei alguma vez menos do que aqueles que um dia me sucederão... Quantos xamãs, curandeiros e bruxos terão chorado os seus próprios limites neste mesmo compromisso de um dia serem rebeldes com uma causa?