27 de julho de 2007

ACOSSADO

Já te aconteceu?

Sentires-te como um animal acossado pela vida, e tendo noção de toda a tua fragilidade, desejando profundamente refugio, só conseguires esgueirar-te para o local mais tenebroso da tua cova e por lá te aninhares na disposição profunda de morder a tudo aquilo que de ti se aproxime?

Teres consciencia que os teus sonhos, deontologia, ética (ou aquilo que lhe queiras chamar) são maiores do que tu e fazem com que te esbarres contra mil obstáculos inacreditaveis?

Pior, esbarrares com esta vida que se encarrega de transformar os teus ideais em castelos de areia levados pelo vento? Esbarrares com os magros resultados dos teus esforços e sentires-te tentado a pesa-los contra as eventuais represalias que possam advir da imprudencia (ou será excesso de zelo?) dos teus gestos...

Hoje... É este o meu sentir...

Cheio de medo, cansado, só e mergulhado nesta minha solidão que teimo em acreditar que ninguem tem como alcançar ou consolar, encontro esta irredutivel sensação de que corra como correr, aconteça o que acontecer- ainda que amanhã reconheça erros naquilo que hoje acreditei serem virtudes- fiz tudo aquilo que podia e sabia.

Doi-me a alma, mas não me pesa a consciência.

19 de julho de 2007

DIGNIDADE

As vezes, quando a cabeça me foge e começo a sentir a tentação de simplficar tarefas vem-me ao espírito a ideia de que qualquer dia me tocará a mim...

Pergunto-me desapaixonadamente, como reagirei diante do médico, que inevitavelmente, um dia olhará para e por mim? No sepulcro daqueles dias de silêncio agónico saberei que ele, como eu tantas vezes, por certo será tentado em olhar para aquele homem como despojo consumado.

Pergunto-me como diante dos seus gestos revisitarei rostos e atitudes tomadas. Pressinto-o testemunha e carrasco do meu agir. Quem reconhecerei eu naquela bata branca? Quem quererei eu desde já reconhecer naquela bata branca?

Não sei se o conseguirei fazer... Contudo, gostava muito de na ingenuidade própria de quem um dia se esforçou por se dar, ver nele reflexo desse percurso de abandono. Gostava muito de nos seus gestos impotentes ter a capacidade de rever a grandeza de quem alheado da sua pequenez humana, assumindo desde logo a inevitabilidade da sua derrota, não desiste de reconhecer naquele despojo a síntese profunda da minha própria dignidade.

Sei que naquele instante singular, em que em sentidos inversos, as nossas vidas se cruzarão, ambos perceberemos que somos pó de estrelas... Fulgores incandescentes que nesta perpétua eternidade são chamados à dignidade de se consumirem num momento, como pirilampos cintilantes numa noite de verão.

8 de julho de 2007

NOVOS RUMOS

Finamente livre!



Há já algum tempo que me vinha fazendo falta esta sensação de liberdade com que hoje acordei. Esta sensação de liberdade que só a docilidade diante da vida me pode dar, que não se obtem nunca pela revolta ou pelo guerrear de vontades e egoismos.



Esta sensação de se ter dado ao extremo e de completamente despojado e fragil se ter sido acolhido sabendo que nesta dinâmica não se fez tanto aquilo que se queria mas sim o que tinha de ser feito; ter gerado felicidade e riqueza no coração do outro. Esta sensação de plenitude que nos permite sorrir benignos um diante do outro e, livres de obrigações, podermos virar mais esta página da vida.



Esta sensação de liberdade que faz com que me identifique como etapa de crescimento consumada na tua vida e me permite serenar a memória, contemplar e aproveitar os frutos mutuamente presentes e oferecidos deste caminhar partilhado e sem ressentimentos conseguir reencontrar-me com a dinâmica de procura incessante de novos rumos que o concreto da vida hoje exige de mim.



Sabemos bem que nas curvas da vida, é bem provavel que nos voltemos a cruzar... Desconfio mesmo que, livres de nós próprios, faremos por nos cruzar. Nesses dias, sei que traremos connosco a luz e o calor desta estrela que brilha nas nossas almas, de quem se fez mutuamente amigo desapegado, fiel e empenhado. E sobretudo sei que benignos, se a situação assim o providenciar, teimaremos em perguntar um ao outro "Que posso fazer por ti?"



Mas por hoje, sopram na minha alma os ventos frescos da liberdade de coração e este saber intuítivo que me diz que desobrigado diante da vida sou desde já chamado a descobrir e explorar esta nova página do meu percurso.



Um obrigado que sabes sentido, profundo e verdadeiro e um grande beijinho para ti.

1 de julho de 2007

O SILÊNCIO DOS INOCENTES

Incomoda-me a facilidade com que se passa por cima do silêncio dos inocentes. A facilidade brutal com que ideias novas, só por serem novas, são tomadas como aceitaveis numa perspectiva experimental, contra uma imensa maioria silênciosa.

Incomoda-me conformar-me com este meu silêncio inocente, que hipócrita, condena na vida de tantos, valores que tomo como importantes. Incomoda-me que a agenda de reflexão da minha sociedade teime em pautar-se na cantilena dos chamados temas fracturantes.

Tantas vezes lobos vestidos de cordeiros... Fala-se da descriminação das mulheres para fazer passar leis de aborto, mas continua-se hipócrita a silenciar o desejo dessa imensa maioria que silenciosamente opta por renunciar à maternidade por questões de falta de disponibilidade de tempo ou de dinheiro... Para quando a coragem de reconhecer nisto uma mutilação concreta da mulher (afectivamente e efectivamente sobreponível a excisão praticada em Africa e que por cá tanto constrangimento provoca) e ousar traçar novos rumos, legislando uma descriminação positiva da realidade laboral das mães.

Subrepticiamente começa-se a introduzir no contexto social de debate o conceito de eutanásia referindo que 40% dos meus colegas oncologistas (uma minoria...) seria favorável a sua prática. E pronto... Em três panadas, tenta-se silenciar uma maioria inocente, anestesiando a reflexão das massas numa cadência de pequenos actos consumados.

Tem-me incomodado!...