19 de julho de 2007

DIGNIDADE

As vezes, quando a cabeça me foge e começo a sentir a tentação de simplficar tarefas vem-me ao espírito a ideia de que qualquer dia me tocará a mim...

Pergunto-me desapaixonadamente, como reagirei diante do médico, que inevitavelmente, um dia olhará para e por mim? No sepulcro daqueles dias de silêncio agónico saberei que ele, como eu tantas vezes, por certo será tentado em olhar para aquele homem como despojo consumado.

Pergunto-me como diante dos seus gestos revisitarei rostos e atitudes tomadas. Pressinto-o testemunha e carrasco do meu agir. Quem reconhecerei eu naquela bata branca? Quem quererei eu desde já reconhecer naquela bata branca?

Não sei se o conseguirei fazer... Contudo, gostava muito de na ingenuidade própria de quem um dia se esforçou por se dar, ver nele reflexo desse percurso de abandono. Gostava muito de nos seus gestos impotentes ter a capacidade de rever a grandeza de quem alheado da sua pequenez humana, assumindo desde logo a inevitabilidade da sua derrota, não desiste de reconhecer naquele despojo a síntese profunda da minha própria dignidade.

Sei que naquele instante singular, em que em sentidos inversos, as nossas vidas se cruzarão, ambos perceberemos que somos pó de estrelas... Fulgores incandescentes que nesta perpétua eternidade são chamados à dignidade de se consumirem num momento, como pirilampos cintilantes numa noite de verão.