19 de abril de 2007

ÚLTIMO

O pressentimento diz-me que estes podem ser mesmo os últimos dias daquele doente. A evidência certifica-me que este será o último dia de muita gente. Oxalá esteja errado no meu pressentimento, mas despoletou a reflexão.

1. ONTEM
Meditando no meu dia, deixo-me arrastar pelos contornos baços dos limites da alma, onde as coisas são menos definidas e tudo se torna mais relativo. Vem-me ao espírito as palavras que não te disse, as simplificações com que te iludi mas que não sei omitir diante da minha consciência, os milhares de "ses" e "mas" que, por maldade ou inexperiência, coloquei no meu caminho. Recordo-me da prepotencia dos meu dogmas e pequenos orgulhos, do incontável número de barreiras que coloquei à tua felicidade.

E diante disto tudo, confrontado com a possibilidade irracional que este possa mesmo ser o meu último dia, o meu último post, o meu último sentir percebo a profundidade da minha pequenez. Surgem-me ridículas as minhas vitórias e dolorosas as minhas derrotas. Não sei encontrar conforto naquilo que à tua custa construi. Tão pouco saberia devolver-te aquilo que em ti destrui.

E assim pequenino e perdido, reencontro-me comigo, reencontro-me contigo. Neste comungar desta fraqueza inquieta que sabes bem ser a minha única força.

2. HOJE

Nesta fluidez da alma que questiona a minha razão vão surgindo novas pulsões...

Se é este o último momento, que o agarre com todas as forças! Que o aproveite intensamente, sem olhar a meios ou a recursos. Que me esgote no efémero e imediato, num prazer que tenho a certeza que me enche... Por uma fracção de segundo desejo-te, cobiço-te como a um objecto que possa agarrar entre as mãos.

Num hoje violento que nada recorda e que nada quer prever. Neste imediato em que sobressai toda a minha humanidade, em que me fascina a beleza bondosa deste mundo que enche de sabor o beijo e dá corpo ao abraço.

3. E SEMPRE

Mas se queres saber não me basta o efémero. Não me satisfaz o sentir passageiro que não se quer sedimentar... Não me preenche a violência de ser senhor de quem não se deu, tornando-me escravo daquilo que em troca não quis dar.

E diante desta tua humanidade irreductivel que não sei domesticar, redescobro esta nossa liberdade... Serena a minha alma ao perceber que só perdendo-me me posso reencontrar neste ciclo eterno de saber dar-se para receber.

E então desejo ardentemente que este seja sempre o meu último momento, o meu último post, o meu último sentimento! Neste eterno renovar que por ti de tudo se pode arrepender e tudo se predispõe a perdoar.