9 de março de 2007

VELA

Naquela sala escura de fim de noite, uma vela contrariava o vazio.

Vela que perdida no escuro se consumia numa pequena chama quase imperceptivel. Tremeluzia, hesitante, numa oscilação de caracter própria de quem se coloca numa posição de sacrifício e esforço.

Consumia-se de forma imperceptível, entregando a cada segundo o seu corpo de pavio e cera à incerteza da sua chama de futuro duvidoso. Qual seria o seu último sopro? Difícil de prever... Naquele trocar de olhares só me ficaram impressos na alma a sua assustadora certeza de que tudo acabaria um dia e o seu desejo intenso de fazer novo cada instante da sua chama.

Senti necessidade de me aproximar... Se ao menos pudesse aconchegar com a mão aquela chama! Avançei... Pé ante pé... Já bem perto dela, estendi as duas mãos e com o meu olhar encandeado envolvi aquela chama num resguardo seguro.

Brilhou com mais intensidade... Num fulgor de vida que me surpreendeu e animou. E de repente, sem que nada o fizesse esperar... Que dor intensa! A terrivel queimadura que doi sempre mais no seu curar!

Retirei as mãos! Olhei para elas... Vi então o preço de amar aquilo que não se pode controlar. Naquele vermelhão, a cicatriz da alma de quem se deixa apaixonar e se compromete com o que não pode dominar ou contrariar.

Pela janela, o primeiro raio de sol brindou então a aurora. Desperto da minha dor olhei para ela. Jazia inerte, pavio preto em couto de cera, no seu castiçal. Naquela alvorada de um novo dia, quis fazer da cicatriz que ainda hoje carrego, o epílogo perpétuo da sua irreverência.