3 de março de 2007

ESTADO DA ARTE

É saudavel rirmo-nos de nós próprios e dos nossos paradoxos. Como é estranho que uma pessoa viva sempre inconformada com o que tem e aspire profundamente aquilo que não pode ter (ainda que tantas vezes aquilo que lhe é proposto pela vida seja um milhao de vezes mais agradavel do que o mais inimaginavel dos seus sonho...). Sempre me diverti com esta dinamica interior que tanto nos caracteriza.

Nestes dias apercebo-me disto mesmo na minha relação com o estudo. É paradigmático recordar-me da dficuldade que foi para mim estudar horas a fio para um exame ainda há uns meses (ou terá sido ontem?) reclamando que me fazia falta rever os rostos sofridos dos meus doentes entre as infindáveis páginas de estudo; para agora me aperceber que entre os infindáveis rostos sofridos que vejo nas enfermarias sinto falta das páginas de estudo a que, por comodismo, tenho fugido.

Também me divertiu muito a eterna discussão sobre quem seria melhor médico... Aquele que tem muito tacto e sensibilidade ou o estudioso que se dedica afincadamente aos livros? Honestamente sempre me pareceu que radicalizar o discurso neste particular seria de uma puerilidade ignorante a roçar a imbecilidade. Parece-me muito óbvio que entre dois (aspirantes a) médicos com muito tacto e sensibilidade será melhor o que mais estuda e inversamente, entre dois estudiosos será melhor médico aquele que mais sensibilidade demonstrar.

Assim torna-se óbvio (pelo menos para mim) que na verdadeira vocaçao médica terão sempre que figurar a sensibilidade e atenção extremas ao doente e à sua fragilidade e a paixão desinstalante pelo estudo dos mistérios profundos desta intrigante entidade a que se chama Ser Humano.

Em medicina nao há espaço para meios temos! Afinal não será a medicina uma ciência feita arte? Ou talvez uma arte feita ciência? Na dualidade matreira e indissociavel de duas perguntas retóricas sorrio diante deste quebra-cabeças insoluvel.

Creio que a verdadeira dificuldade está no equilibrar dos pratos da balança dos nossos (meus) apetites. E assim, oscilante, vai o estado da (minha) arte... Tinha mesmo de comprar um livrito com uns milhares de páginas e passar umas horitas do meu sábado de folga a ler qualquer coisa para apaziguar o bichinho.