3 de janeiro de 2007

SIDERURGIA

Uma das coisas que mais me intriga é a nossa relação com a dor. É curioso ver a diversidade de respostas que induz nas pessoas. Os estudos ensinaram-me que a dor é um mecanismo de defesa fundamental. Se durante uma queimadura não nos doesse seguramente não afastaríamos a mão da chama e deixaríamos que se produzisse uma queimadura grave.

Não deixa no entanto de ser uma sensação muito desagradável. Nestes tempos tenho sido contrariado em quase todas as minhas expectativas e desejos. E dói… Sem ser masoquista e esperando sinceramente que tudo isto acabe depressa, ainda bem que é assim!

As vezes, quando estou mergulhado na felicidade, é-me muito difícil aperceber-me do real valor, da beleza e da sorte que tenho na minha vida. Já quando mergulho na escuridão do abismo a cegueira forçada desperta-me a consciência. Os contrastes fazem com que o choque seja brutal. Apercebo-me depressa que aquele não é o meu meio. Sentindo a dor que me aperta, revisito e experimento -numa fracção ínfima -as vidas dos mais desprotegidos e surge uma profunda repulsa diante do mal que me inquieta e desinstala. Encarna-se na minha vida o aforismo popular que postula “não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti” e nasce uma adesão sincera à benignidade.

Gosto muito dos momentos em que a vida me molda gentilmente como o oleiro molda o seu barro. Contudo percebo e aceito que por vezes -para crescer -o meu coração tenha de mergulhar nas caldeiras de uma siderurgia infernal. Percebo e aceito que para tomar forma tenha de ser levado ao seu ponto de fusão e rotura e martelado com batidas repetidas, violentas e muito dolorosas.

Por agora não percebo onde sou levado… Mas tenho a perfeita noção que estou a ser moldado e, nem que seja só por isso, no meio da turbulência, não posso deixar de sorrir!