5 de janeiro de 2007

AUTOCARROS

As vezes naqueles dias de chuva, cruzo-me com um autocarro cheio de gente a caminho do trabalho e dou por mim a perguntar-me sobre o que lhes irá nas almas. Seguramente a mulher, o marido, os filhos, a namorada, o que ficou por fazer no trabalho ou as contas do fim do mês.

Naqueles autocarros apinhados descubro o quanto todos nós somos iguais no nosso íntimo. Como, sendo cada um de nós tão profundamente individual e não sobreponivel, acaba por ser uma redundância desta condição humana que nas suas aspirações e limites partilha os mesmos sonhos e medos.

Acabo invariavelmente por me projectar sobre tudo isto. Os autocarros fazem-me mal ao orgulho e bem ao ego.

Faz-me mesmo muito mal ao orgulho. Custa muito perceber que neste concreto único que vivo sou redundante. Considerar e assumir como verdadeira a hipótese de que os meus dramas pessoais são neste momento experimentados por uma outra pessoa que não conheço. E mais mal me faz ao orgulho aperceber-me que ambos somos redundâncias de tantos outros que antes de nós passaram pelo mesmo e de outros tantos que num futuro mais ou menos remoto também por isto passarão um dia. E assim, numa passagem, estes autocarros pulverizam num ápice toda esta impressão de autoconfiança e auto-suficiência com que o meu orgulho -próprio de quem sabe ter uma experiência pessoal e maravilha-se com a sua individualidade -me ilude.

Mas é um preço que julgo justo. Porque me faz um bem enorme ao ego. Percebo que nesta condição humana nunca estou sozinho e que é esta partilha involuntária que nos precipita irremediavelmente uns sobre os outros. Percebo que é por partilharmos tudo isto que no nosso íntimo nos conseguimos perceber e entender com uma profundidade brutal. Uma profundidade tão grande que por vezes basta a simplicidade de um silêncio cúmplice que mil palavras não sabem descrever. Que é nesta partilha involuntária que posso encontrar amparo e dar apoio àqueles me rodeiam. E isto, diante do meu orgulho, não tem valor.

Autocarros…