26 de dezembro de 2006

TRANSFUSÃO

Uma das imagens que com mais força se imprimiu na minha retina nestes últimos anos foi o efeito de uma transfusão de sangue num doente muito anémico. Fantástico! Ver uma senhora pálida e mortiça recuperar num par de horas não só a sua boa cor mas também aquela chama de vida que sem nunca verdadeiramente o conseguirem os poetas teimam em perseguir e os cientistas em formalizar.

Olhando para aquele pacote que gota a gota se dava, percebia bem que era dali que brotava aquele rasgo de vida. A minha formação permite-me ir um pouco mais longe... Perceber alguns dos mistérios intrincados que nele estão encerrados, divertir-me a contar célula a célula os glóbulos vermelhos nele contidos ou distinguir e fraccionar os velhos humores que o constituem. Estranha esta ciência que também me vende esta doce tentação que faz de mim um deus menor, crente que pelo meu esforço e trabalho consigo colocar vida num pacote.

A minha afectividade também estremeceu. Pensei feliz na alma caridosa e incognita que partilhava naquele momento e sem o saber aquelas gotas de vida. Estremeci diante da força que a vida encerra em si e se espelhava no rosto cada vez mais sorridente de uma velhinha que diante dos meus olhos renascia. Estranha esta afectividade que também me vende esta doce tentação que faz de mim um deus menor, crente que só é bom aquilo que exulta a minha sensibilidade e me comove às lágrimas.

E, sem me aperceber, diante da Vida que fluia senti-me terrivelmente pequenino. E sorri muito! Maravilhado diante deste enorme mistério que é o potencial regenerador Nela contido. Esta regeneração que discretamente também se encerra num Menino que diante de pobres pastores consegue renovar e restituir a vitalidade a tantas rotinas e derrotas em nós profundamente enraizadas.

E tu? Tens a sorte de acreditar, perceber e sentir que há vida para além do cada vez mais rotineiro "kit" natalício?