27 de dezembro de 2006

SAUDADE

Um rosto relembrou-me ontem que só o meu português tem esta palavra.

A noite e a sua prima almofada predispõem a nossa alma a delírios que não sendo perfeitamente entendidos pela razão nos mergulham no intimo da nossa existência.

Acordei com saudades de um amanhã incerto que desconheço. Senti a sua falta como se já fizesse parte daquilo que um dia virei a ser. Não acredito em fatalismos! Mas tenho a alma curiosa e sedenta.

Numa memória ténue e adulterada recordo-me do meu primeiro dia de escola, miudito de três anos acompanhado por dois miuditos de vinte e poucos todos nós nervosissimos e eles felicissimos. E consta que já nessa altura tinha esta saudade daquilo que se escondia do lado de lá do meu dia. Curioso deixei a segurança para trás e fui brincar com os meninos que ao fundo da sala involuntáriamente cortavam uma vez mais este cordão umbilical.

Não me interessa muito a história que terei para contar ou os marcos que ei de cruzar. Tenho sobretudo saudades dos rostos que ainda desconheço, dos seus sorrisos e lágrimas. Tenho saudades dos grandes amigos que- sem desprestigiar aqueles que já descobri- sei ainda não ter encontrado por involuntariamente estarem à minha espera perdidos algures no dia de amanhã. Sem que lhos tenha sido ainda confiado, doi-me já na alma o espaço que lhes pertencerá um dia.

Porque isto de ter alma e coração é tudo muito estranho. A sua vitalidade e dimensão dos seus espaços prende-se não com as coisas com que o conseguimos atafulhar e reter em nós mas com a intensidade com que aspiramos a dá-lo e invariavelmente perdê-lo nesta saudade de um futuro sedutor e incerto.