12 de maio de 2007

ABISMOS

Não é a primeira vez que reflicto nisto, mas nunca me deixo de maravilhar com esta realidade. É quando se está diante da dor e da maldade que se torna mais evidente a necessidade de as rejeitar.

Porque é quando passamos o dia a picar doentes sem conseguir picar uma única artéria que desejamos que não fosse assim, nem que seja só pela irrazoabilidade total da dor do doente diante de mais uma tentativa frustrada de lhe colher sangue. Porque só quando sabemos que dos seis doentes que estão na enfermaria, cinco não passarão do mês que vem é que nos apercebemos da urgência deste Amor que lhes coloca na boca um "doutor deixe-me ir para casa, quero almoçar à mesa um pouco de leitão com a minha mulher, os meus filhos e amigos!".

Que desconfortável, que revoltante! É esta dor o espinho que se crava no meu coração e uma vez mais me projecta para diante. É esta dor, tão presente também na tua humanidade concreta, que se quiseres se pode cravar no mais profundo do teu coração e projectar-te de novo para diante.

Loucura? Talvez! Mas não quero ter outra forma de estar na vida. Qualquer outra opção será sempre pior, pela cegueira e hipocrisia que implica. Pelo demitir-me da tua vida e dos teus problemas, que tantas vezes- num simples apoio de um sorriso abandonado que me é pedido- são a chave dos meus problemas.

Utopia? Sonho? Ideal? Sim tem esta faceta... Quantas vezes o conforto me seduz e me instala questionando-te e questionando-me se será mesmo verdade aquilo que te digo... Contudo, a duvida não silencia as lágrimas de quem me rodeia, de quem te rodeia. Apenas adia para amanhã a realidade de um sonho anestesiado que teimamos em não construir já hoje.

Ainda que chore, ainda que custe, ainda que me pareça irrazoável, prefiro este coração sangrante e magoado. Não consentirei que no seu lugar se perpetue esta pedra dura que, por minha vontade ou indiferença, todos os dias se vai renovando e me vai lançando nestes abismos.

Do profundo abismo clamo a Ti, Senhor...
Senhor, ouvi a minha prece!