23 de fevereiro de 2008

PALAVRAS PERDIDAS

Perdi-as...
Quem as deixa cair nem sempre se apercebe. Este ás de trunfo, capricho que só a nós nos é permitido.

Perco-as todos os dias...
Quando minto, naquele engano prepositado de quem passa a rasteira a si próprio, atrapalhando-se e afundando-se nas próprias incertezas.

E perco-me!
Perco-me na ousadia de quem pensa que com piruetas e artimanhas consegue a tua atenção. As expressões expectantes e o "ahhhh" de espanto acompanhado de rufos de tambor confundem-me. Eu que sou tão só alguem que, tantas vezes, se dobra e estica para receber atenção. Eu que sou um mero ser humano fingidor.

Mas guardá-las para quê?
Quem as inventou que as salve, pois quem, como eu, as reinventa todos os dias, vai perdendo de vista a importância que é segurá-las como se segura um acrobata à sua rede. Não me falte rede para me perder....

Perdi-as...
Quando flexíveis se moldaram e fluiram pela minha boca, naquele recanto de maldade que não sei assumir. Naquele sim traidor de um desamor que não soube conter. Melodia para os teus ouvidos que nenhum de nós sabe se alguma vez me quiseram ouvir.

Perdi-te...
Porque não sei de mim quando tais coisas me saem da boca, quando te firo e te julgo e te canto este "sim" que não é amor nem ódio, pobre sentimento híbrido de egoísmo e necessidade, ópio que adoça a boca numa tortura prazerosa.

Perdi-as...
Na timidez de nunca tas ter dito. Naquela inocência perdida de quem, ingénuo, se ilude nos seus sonhos. Naquele silêncio mudo que de certeza te ensurdeceu a alma! Bem o sabemos, nunca teria que tas ter dito para que, se tivéssemos querido, as conseguisses entender.

Perdi-me, sem querer.
Ou não fosse eu este homem que desesperado tenta ser Humano.
Ou não fosse eu guardar na minha Lama o único tesouro que tenho e que é inteiramente teu. Não tivesse eu medo que não Lhe desses o devido valor, não fosse ele realmente valioso.


E perdemo-nos os dois
Porque esta miserável riqueza teima em brilhar dentro de nós e a seduzir-nos, irradiando-nos contudo porque ainda penamos, presos ao nosso orgulho e cegueira.
Desenharam-nos seres frágeis sonhados para a perfeição, que empunham armas poderosas e difíceis de manusear.


Falamos de tal forma incompleta, inconscientes semeadores de ideias inacabadas...

E as palavras, essas...
Testemunho de vida!
Caem-nos aos pés, calcadas pelo nosso peso...
São só palavras...
Palavras perdidas, estilhaços arrancados à nossa alma, que quando dispersos, nunca saberemos reencontrar...

Escrto por Ela e Pedro

22 de fevereiro de 2008

Passar a manhã às voltas de uma doente com esforço...
Para depois a ver partir nas mãos daqueles que a amam pode gerar sentimentos ambivalentes...

De paz por um lado, por sentir ali um luto saudável... Este lutar e vergar humano diante do insondável mistério da nossa finitude.

De dor e revolta por outro lado... porque a senhora D. morreu numa maca no meio de um corredor...
Apercebo-me disto de uma forma ainda muito egoista... Percebendo com clareza que me poderá tocar a mim... e eu tenho e todas as pessoas tem em si uma dignidade que não pode nunca caber numa maca de um corredor de um hospital...
Oxalá, em breve, tenha clareza de espírito para conseguir perceber benignamente o que neste momento me escapa. Nessa altura encontrarei também recursos para aprender a minorar o que hoje me repugna.

9 de fevereiro de 2008

PELAS COSTAS

É como me dá gozo ver os meus doentes... Com aquele sorriso cumplice de quem, na despedida, se apercebe que partilhou comigo um milagre.

Só me incomoda que façam algumas confusões...
Porque o verdadeiro milagre não foi tanto terem-se curado, mas sobretudo terem reencontrado o brilho de olhar próprio de quem ama a vida...
Porque teimam em reconhecer em mim um santo milagreiro, quando eu próprio me questiono seriamente sobre o estado da minha arte...

De qualquer forma Dona E. (que provavelmente é analfabeta e não me consegue ler...) muito obrigado pelos seus 92 anos de experiência... Foi uma semana muito bem passada!

VIRTUDE

Tantas vezes me seduzo pelo grande da vida... Como me sabe bem sair de um banco em que se tratou de forma fantástica uma situação muito grave com um resultado espectacular!

Mas, a cada dia que vai passando, me vou apercebendo que não é por aí. Pode parecer paradoxal, mas quando os picos de adrenalina estão altos (ou quando estamos apaixonados), tudo sabe bem e se torna mais fácil.

Difícil, dificil é ter a ousadia de virar o rosto para o que não me seduz e me magoa e ali reconhecer caminho de felicidade. Difícil, difícil é a cada acordar querer sair da cama como se fosse o meu último dia e em cada segundo que passa descobrir o mesmo suspiro de esperança.

E neste deixar-me levar pela onda do querer permanecer fiel ao que sou sem perceber nem sentir aquilo que me rodeia chamo virtude!

Quem me dera ter coração e espírito para superar sempre este duríssimo exercício de, na agrura das rotinas, ter a humildade de perpétuamente repetir pequenos nadas que por serem nadas são de ouro...