28 de dezembro de 2006

DISTANCIAS AFECTIVAS

Quanto vale em termos de distâncias um "Quero!"? Que estranho movimento da alma é este que faz que quanto mais benigno seja o desejo mais difícil se torne concretiza-lo?

Porque nos custa dizer num tom comprometido e verdadeiro um "Amo-te" olhos nos olhos sentido e despojado de intenções que tenha coragem de não olhar a resultados se no mesmo momento é tão fácil para dois corpos se fundirem hipotecados a uma intencionalidade tão despojada de sentidos materializada numa relativa jura de amor, de conteudo sempre dependente das contingências instantâneas do engate vingente, hipócrita e apressada?

Porque nos é tão fácil entrar em sonhos megalómanos de grandeza e se torna tão penoso trilhar o caminho justo para um dia os alcançar? E porque, diante da dificuldade, logo nos predispomos a hipotecar os sonhos e nos conformamos a uma realidade light que não nos preenche por completo? E já agora... Com que facilidade confundimos trajectos. Vícios e virtudes, forças e fraquezas.

Todas estas dúvidas me surgem em tons embaceados de cinzento que não me cativam, não sei aceitar e dos quais não quero fazer parte. Vejo contudo nestes cinzentos, neste medir impossivel de distâncias, o centro da minha falibilidade e o princípio dos meus limites. Apercebo-me aqui que na minha natureza nunca saberei valer-me a mim próprio.

E contudo também não quero deixar de ser assim. Perfiro viver na incerteza deste sonho que me projecta a vergar-me ao comodismo tenebroso de um dia deixar de sonhar. Porque se o sonho de um quero tem em mim uma distância afectiva muito relativa e difícil de prever que muitas vezes me faz errar, encerra no seu intimo a força de que preciso para me fazer ao largo e trilhar o caminho que a cada dia me é proposto.

27 de dezembro de 2006

SAUDADE

Um rosto relembrou-me ontem que só o meu português tem esta palavra.

A noite e a sua prima almofada predispõem a nossa alma a delírios que não sendo perfeitamente entendidos pela razão nos mergulham no intimo da nossa existência.

Acordei com saudades de um amanhã incerto que desconheço. Senti a sua falta como se já fizesse parte daquilo que um dia virei a ser. Não acredito em fatalismos! Mas tenho a alma curiosa e sedenta.

Numa memória ténue e adulterada recordo-me do meu primeiro dia de escola, miudito de três anos acompanhado por dois miuditos de vinte e poucos todos nós nervosissimos e eles felicissimos. E consta que já nessa altura tinha esta saudade daquilo que se escondia do lado de lá do meu dia. Curioso deixei a segurança para trás e fui brincar com os meninos que ao fundo da sala involuntáriamente cortavam uma vez mais este cordão umbilical.

Não me interessa muito a história que terei para contar ou os marcos que ei de cruzar. Tenho sobretudo saudades dos rostos que ainda desconheço, dos seus sorrisos e lágrimas. Tenho saudades dos grandes amigos que- sem desprestigiar aqueles que já descobri- sei ainda não ter encontrado por involuntariamente estarem à minha espera perdidos algures no dia de amanhã. Sem que lhos tenha sido ainda confiado, doi-me já na alma o espaço que lhes pertencerá um dia.

Porque isto de ter alma e coração é tudo muito estranho. A sua vitalidade e dimensão dos seus espaços prende-se não com as coisas com que o conseguimos atafulhar e reter em nós mas com a intensidade com que aspiramos a dá-lo e invariavelmente perdê-lo nesta saudade de um futuro sedutor e incerto.

26 de dezembro de 2006

TRANSFUSÃO

Uma das imagens que com mais força se imprimiu na minha retina nestes últimos anos foi o efeito de uma transfusão de sangue num doente muito anémico. Fantástico! Ver uma senhora pálida e mortiça recuperar num par de horas não só a sua boa cor mas também aquela chama de vida que sem nunca verdadeiramente o conseguirem os poetas teimam em perseguir e os cientistas em formalizar.

Olhando para aquele pacote que gota a gota se dava, percebia bem que era dali que brotava aquele rasgo de vida. A minha formação permite-me ir um pouco mais longe... Perceber alguns dos mistérios intrincados que nele estão encerrados, divertir-me a contar célula a célula os glóbulos vermelhos nele contidos ou distinguir e fraccionar os velhos humores que o constituem. Estranha esta ciência que também me vende esta doce tentação que faz de mim um deus menor, crente que pelo meu esforço e trabalho consigo colocar vida num pacote.

A minha afectividade também estremeceu. Pensei feliz na alma caridosa e incognita que partilhava naquele momento e sem o saber aquelas gotas de vida. Estremeci diante da força que a vida encerra em si e se espelhava no rosto cada vez mais sorridente de uma velhinha que diante dos meus olhos renascia. Estranha esta afectividade que também me vende esta doce tentação que faz de mim um deus menor, crente que só é bom aquilo que exulta a minha sensibilidade e me comove às lágrimas.

E, sem me aperceber, diante da Vida que fluia senti-me terrivelmente pequenino. E sorri muito! Maravilhado diante deste enorme mistério que é o potencial regenerador Nela contido. Esta regeneração que discretamente também se encerra num Menino que diante de pobres pastores consegue renovar e restituir a vitalidade a tantas rotinas e derrotas em nós profundamente enraizadas.

E tu? Tens a sorte de acreditar, perceber e sentir que há vida para além do cada vez mais rotineiro "kit" natalício?

22 de dezembro de 2006

PRENDAS

Gostava de ser original e irreverente. Não me consigo conformar à rotina cada vez mais desprovida de sentido de centrar toda a minha amizade e afectos a uma meia duzia de embrulhos trocados em meia duzia de horas.

Não vejo mal nenhum em dar prendas, antes pelo contrário, acho positivo e saudável. Simplesmente parece-me muito pouco e pobre tendo em vista aquilo que o Natal nos propõe na sua essência. Parece que arrumamos num gesto mecânico um desafio de entrega que se deveria propagar nos tempos.

Creio que nestes tempos a entrega pessoal tem andado muito pelas vias da amargura. Porque nos iludimos todos um pouco em dar num embrulho bonito uma prenda vistosa que enchendo nunca preenche. No fundo sentimos sempre aquele vazio profundo de quem deu sem alguma vez se ter dado.

E paradoxalmente, ao mesmo tempo, temos medo de nos dar num gesto generoso. Tantas vezes nos custa libertar um sorriso ou um abraço só porque nos envolve e nos compromete, porque temos de diluir a nossa alma e perder a nossa independência egoista e "higiénica".

Também sou muito assim. Mas não me conformo. Gostava de ser diferente. De fazer dos meus passos embrulho comprometedor de uma prenda sempre vivida e presente.

Há mais alegria em dar do que em receber!

Santo Natal

20 de dezembro de 2006

ANESTESIA

Hoje é-me muito difícil escrever de forma ordenada... No entanto, e em tom de ressaca, três ideias:

Parece que acabo de sair de uma anestesia. Meio zonzo, tonto, descordenado. Naqueles dias em que o tempo tem um rítmo próprio cuja velocidade varia de segundo em segundo. A adrenalina começa também a baixar e o cansaço revela o seu rosto.

Quanto ao exame, não faço a mínima ideia! A imagem que me vem à cabeça é a das crianças quando vão ao centro de saude para se vacinarem e perguntam à enfermeira "Vai doer?". Na sua inocência uns fazem grandes fitas, outros vão-se embora deconfiados de que aquilo das vacinas não é nada com eles... Nem a sentiram... Englobo-me no segundo grupo. Não faço a mínima ideia

Nova rúbrica ali ao lado: 10 coisas para fazer até ao final do ano. Estas são as minhas férias e estou em déficit vivêncial. Amigas e amigos mais próximos, se acharem que um destes programas se enquadra nos vossos projectos de fim de ano... Liguem-me porque estão convidados.

9 de dezembro de 2006

SOMBRA

No projecto que abraçei nestes meses sinto-me uma sombra. Como todas, fiel ao seu dono, discretamente acompanhando-o para todo o lado.

Como custa ser sombra! Vario de dimensões involuntariamente e ao sabor do sol. Grandiosa na alvorada e ao entardecer e vazia de sentido no profundo da noite ou no esplendor do meio dia. É assim que pulsa o meu coração, num frenético ritmo circadiano em que tão depressa me encho de esperança sonhadora como logo logo redescobro os meus limites e incapacidades.

Como custa ser sombra! Ser reflexo imperfeito de um ideal que tantas vezes nos surge utópico e inacessivel. Aspecto pobre e incolor de um ser grandioso. Alegoria da caverna corporizada neste caminho arduo e agreste.

Como custa ser sombra! Condicionado na minha essência por este solo que conforme a sua disponibilidade me dá corpo. Sentir-me dependente de uma textura instável que sendo minha não me pertence. As vezes calcário maciço, outras vezes lodo vacilante.

Como custa ser sombra! Ligado à minha essência pelos pés, absolutamente dependente dela numa relação umbilical; perceber com todos os sentidos que apenas no brilho transcendente dos meus sonhos me esgoto e consumo. Ter que voluntariamente me ver algemado numa prisão em que as paredes são este meu cinzento limitado no qual, pelas grades da janela, se projecta esta luz de uma liberdade que em mim mesmo permanece inacessível.

Como custa ser sombra! No caminho discreto de quem corre atrás de si mesmo, pisado pela vida de tantos outros que também apaixonados e levados por ideais e utopias desprezam no seu passo acelerado estes tons cinzentos batidos no chão.

E no entanto, que experiência libertadora esta de me saber tão só sombra!!

Perceber que na minha fidelidade tenho feito a minha pequena parte... Reconhecer que na minha essência, e independentemente de resultados, serei sempre simples reflexo telurico de ideais traçado no chão a golpes de sol que largamente me transcendem.

Desvanecem-se a ansiedade e o medo. Nesta dependência fusional renascem a confiança e a esperança próprias de quem sabe que por muito que lhe doa nunca lhe será retirado o enorme privilégio de ser simplesmente sombra!

6 de dezembro de 2006

ESTENDER AS MÃOS

Texto publicado no Raizes- Jornal dos jovens da minha paróquia, deste domingo. Não deixem de ler o Raizes, é um projecto de todos!!!
Acordo sonolento e rabugento. A vida exige muito de nós. São os pais em casa, os professores na faculdade, os amigos que reclamam a nossa presença e o nosso intimo que se dá ao luxo de exigir uns minutinhos para se refazer do nosso cansaço. E queres Tu que eu seja santo.
Não tenho tempo para Te dar tempo. Deixa-me em paz! Sorris e deixas-me seguir o meu caminho. E que dia espectacular! As aulas a correrem bem, o café com os amigos que já não via há imenso tempo e melhor ainda… O dia acabou e nem sequer estou muito cansado! Estou feliz!
E de mansinho, no meio da minha felicidade, voltas à minha presença. Relembras-me que andas por aí à minha procura. No Teu sorriso sempre disponível, caio em mim… Onde tinha a cabeça? Nem sequer Te prestei atenção! Fui injusto… Não me fizeste mal nenhum e tudo o que recebeste foi umas costas voltadas logo pela manhã… Sinto-me envergonhado e sem palavras.
E no meu silêncio falas-me Tu! Relembras-me todo o meu dia… O professor disponível que me explicou aquilo que não percebi, o António e a Francisca que me sorriam no final de tarde bem como todos os momentos luminosos que me aclararam o dia.
E sorris muito dizendo, “Estendi-te a Minha mão durante todo o teu dia”. Fico ainda mais aflito com a situação… Mas interrompes-me: “Escuta que ainda não acabei” e do meu dia relembras-me pequenos nadas a que nem tinha prestado atenção. O sorriso que devolvi à criança no metro, o bom dia distraído que dei ao porteiro, a ajuda imediata que dei ao abrir a porta do café ao casal que entrava enquanto nós saíamos. “Percebes agora? Também tu Me estendeste a mão hoje… Olhares por Mim não é só rezar e pedir, é sobretudo dares e servir”

Mas nem me apercebi! “Ainda bem! Assim não tens como ficar orgulhoso! Seres santo, seres feliz não depende só de ti… Nunca te esqueças que toda a tua bondade e felicidade brotam de Mim!”
E foste embora sorrindo… E eu, adormecendo, sorri também, desejando muito saber estender-Te com mais docilidade a minha mão que, sem que eu me aperceba, teimas em querer precisar e utilizar.

4 de dezembro de 2006

TRANSITORIEDADES

Este é o momento de abrandar o ritmo do egofonias e virar o ego para um último esforço intensivo de estudo.

Poderá ser (assim espero) que surjam textos dispersos de vez em quando. Ou, melhor ainda, sorrisos intensos em retribuição àqueles que por mim passarem inflamando este sonho profundo de ir mais além...

Nestes ultimos 15 dias, boa sorte a todos aqueles que involuntariamente são meus cumplices à uns largos meses.

B&A!