30 de novembro de 2006

DESAFIO

Hoje acordei e apercebi-me que, se tudo correr bem, daqui a um mês começamos todos a trabalhar.

Senhores colegas aprendizes de feiticeiros... Nas nossas correrias académicas necessárias e positivas temos andado iludidos! Creio que não será o exame o nosso verdadeiro desafio. Esse é tão só mais uma rotina, ainda que com o seu óbvio grau de dificuldade. É apenas o culminar de um percurso de 20 anos em que aprendemos a estudar. Temos a experiência do nosso lado.

Pergunto-te... Já tiveste oportunidade de no meio da rua ter de ajudar alguem numa situação francamente grave? E durante uns minutos enquanto a assistência médica não chegava sentires a pessoa suspensa aos teus parcos conhecimentos, pedindo a Deus que não tivesses de entrar em manobras de reanimação?

Claro que durante uns anos continuaremos a ser amparados por pessoas mais velhas e experientes e quando formos os mais velhos pelos velhotes que estarão ao nosso lado. Mas inevitavelmente são esta independencia, e consequente responsabilidade, que a passos largos se vão aproximando de nós. Intrigam-me muito. Ainda que o conhecimento teórico seja indispensavel para ser bom médico- penso que todos nós já percebemos isso- saber que sempre fui bom aluno nunca fará de mim um bom médico, tirar 100 neste exame tão pouco o fará...

Qual exame qual carapuça! Este é o grande desafio que nos é proposto e que já me vai inquietando no sentido positivo que o termo tem: passar para a vida e tornar eficaz tudo aquilo que fomos aprendendo ao longo destes anos.

Por isso hoje te pergunto a ti e a mim mesmo numa retórica à qual só te desafio a dar uma resposta silenciosa, interior e eficaz... Em termos de caminhada pessoal e humana- e afastando-te da doce tentação livresco-académica que naturalmente te deve estar a sobrecarregar- que fragilidades reconheces em ti e que deves fazer de concreto já hoje para as mudares/enfrentares aspirando a ser, num futuro cada vez mais próximo, um bom médico?

Ainda há bastante tempo (para não ser à boa maneira portuguesa) para serenamente mastigarmos isto tudo como deve ser, escutarmo-nos e a quem nos rodeia, sorrirmos e chorarmos mas, quer queiramos quer não, há mais vida para além do Harrisson que chama por nós e nos vai discretamente interpelando a dar respostas. Não nos demitamos de a curtir e enfrentar!

Beijinhos e abraços sorridentes :)

29 de novembro de 2006

NÃO VOU DE MODAS

Ia eu a caminho da casa a tiritar de frio para almoçar quando do outro lado da avenida me surge uma rapariga muito muito gira! Olhei e achei muito estranho... Botas super quentes, camisola de gola alta e para andar super agasalhada... Corsários super-curtos! Não sou de modas... Sempre estranhei os excessos da moda. Sempre me perguntei se justifica andar a tremer de frio para mostrar a bela da perninha e proclamar ao mundo o "Eu sou muito boa" que já era óbvio...
Porque em termos de psico-sexualidade essa é a primeira pergunta a que respondemos quando olhamos para uma potencial parceira... "Será saudavel?" Fazemo-lo de forma inconsciente integrando em milésimas de segundo variadissimas informações como a simetria corporal ou a linguagem não verbal. É a fluidez não racionalizada desta avaliação que nos confere algum equilíbrio... Que dizer das recentes mortes por anorexia nervosa ou dos feeders que tem de usar um guindaste para ir à casa de banho.
O simples facto de respondermos a alguem em situação social pressupõe que este trabalho foi todo feito e que a pessoa em questão passou no crivo biológico. Contudo, ainda que inevitavelmente tenha de passar também por aqui, continuo a não conseguir ver uma mulher como um corpinho vazio.
A questão é bem mais complexa! Quantas raparigas não conheci que surgindo-me perfeitamente normais num primeiro contacto, tem aquela doce magia de se revelarem mais belas- a cada vez que nos cruzamos- na simplicidade de um sorriso apaixonado. Aquela beleza terrivel que não me fere de morte mas queima devagar e compromete-me irremediavelmente. Ou o inverso tão triste de me sentir escravo de um impulso corporal que me prende e não me deixa contemplar uma rapariga como um todo. E reparem que ainda nem fui a questão "E quando elas abrem a boca?" à qual estão associados todos os mitos e estereótipos das louras (e porque não das morenas também...) burras...
A sexualidade é indissociavel da nossa humanidade e exige de todos, para uma vida saudável, uma resposta contundente, profunda e verdadeira. Note-se que a própria castidade- muitas vezes interpretada como uma não sexualidade- proposta aos monges tibetanos ou aos sacerdotes católicos encerra para quem a escolha uma profunda auto-contemplação e compreensão da sua sexualidade. Como pergunta exigente que é, a sexualidade não pode nunca deixar de nos envolver num movimento uno, implicando sempre corpo e alma.
Não digo que a estética não seja importante... É crucial! Contudo representa só uma parte da questão. Lia à dias numa revista de grande tiragem uma citação de Paul Valery, filósofo francês, que dizia "Elegância é a arte de não se fazer notar, aliada ao cuidado subtil de se deixar distinguir". Só agora vi porque ficou a ressoar na minha cabeça. Para perceber que foi isso que faltou àquela rapariga.

28 de novembro de 2006

sms

Estar a três semanas de exame é muito estranho... Esbatem-se os objectivos, reforçam-se os sonhos, exacerbam-se as minhas virtudes e fragilidades. E estranhamente estou calmo, num advento que já celebra um nascer de novo e(i)minente.

Porque tenho por perto pessoas que gostam de mim e me ajudam a verbalizar aquilo de que nem me apercebo. Que num sms me obrigam a redescobrir-me naquilo que me custa entender... Hoje volto a prestar-te homenagem neste espaço que há algum tempo é teu. Beijinho

REPRESAS

Hoje acordei com uma ideia simples na cabeça. Não vou escrever muito... Acho que muitas vezes as melhores ideias são as mais simples.

A vida é como a água de uma represa... O ribeiro corre... corre... e enche a albufeira. Se a deixarmos acumular a água fica inerte e eventualmente estraga-se... No entanto, ao abrir as comportas, deixando-a fugir e seguir o seu curso descobrimos a energia que encerra na sua essência.

Hoje, sabendo isto, queria muito sentir este fluxo de vida que inevitavelmente terei de gastar...

27 de novembro de 2006

CASA

Consta que sou caseiro. Que em pequenito o meu irmão corria para a porta quando os meus pais iam passear e eu corria para o quente dos cobertores a ver desenhos animados. A minha memória também me diz que era assim portanto deveria ser mesmo caseiro. Ainda hoje o sou. Adoro o calor dos cobertores nas noites frias e o conforto de escutar as gotas da chuva nos vidros cinzentos das janelas.

"Onde está a tua casa?" Perguntou-me a minha consciência num daqueles dias em que nem tudo corria bem... Caiu-me tudo diante dos pés... Naquele dia não tinha ponto de fuga nem porto seguro. A vida chamava-me a voos mais altos e sentia-me o pardalito que em queda livre do ninho aprendia por sua conta e risco a voar.

Desesperado cai... cai... e cai mais um pouco! Lembrei-me dos outros pardalitos que contavam que há muito tempo um pardalito se tinha estatelado no chão... Tive medo! Amaldiçoei a altura a que os meus pais colocaram o meu ninho... (nem me apercebi que foi a segurança da altura e as minhocas que me foram colocadas no bico que me fizeram crescer)

E fui caindo... E aos poucos, no precipício da queda, o Vento foi tomando conta de mim... Como que senti o Seu abraço e apelo incessante a confiar e a espreguiçar-me no Seu conforto. Sem saber ao que ia estendi as asas.

Tinha asinhas pequenas... Mas lembro-me como se fosse ontem. Assim que as estendi encheram-se de força, o Vento sustentava-as... E suspenso no eter percebi! A queda não era para a morte! Percebi a transitoriedade confortável do meu ninho... Percebi que esta seria a partir daquele dia a minha casa, o infinito do céu...

"Onde está a tua casa?" - repetiu-me a consciencia acordando-me do meu delírio... E eu sorrindo respondi-lhe "Nas asas do sonho! A minha casa está junto daqueles que, me desafiando, me fazem rir e chorar! No conforto dos limites do meu ser e nesta certeza de que na minha queda o Vento me fará voar!"

24 de novembro de 2006

COM(UNIDADE)

Espanta-me muito a falta de cumplicidade que existe entre as pessoas. A não ingerência grassa entre nós e refugia-se num "É a vida dele, faz dela o que quiser!" descomprometido e cobarde.

Perguntava ontem a um rapazito de treze anos se fumar fazia mal ao que ele disse sem pensar "Claro que sim!". Mas logo a seguir, quando lhe perguntei se emprestava cinquenta centimos para um amigo comprar tabaco respondeu prontamente "Sim! A vida é dele! Faz dela o que quiser!". Tudo isto me pareceu na altura muito incongruente. Não me parece correcto considerar uma coisa errada e ao mesmo tempo promovê-la refugiando-me numa não ingerência justificada por uma suposta liberdade que tudo consente.

Mais grave é perceber que esta situação não se restringe às opções tomadas na esfera intima e pessoal. Que dizer dos milhares de pessoas que se queixam que o Estado não faz nada e é inoperante, para logo a seguir se descomprometerem deste nosso Estado recusando-se a pagar impostos ou falhando no civismo básico que a todos é justamente exigido. Que dizer da falta de associativismo. Não será tudo isto uma não ingerência subtilmente instalada nos nossos intimos.

Custa-me muito ouvir um não... Custa-me mesmo muito quando esse não vem de um amigo de quem gosto mesmo muito... Percebo isto e sinto-o na pele. Contudo, já não vejo as amizades como quando tinha dezasseis anos, em que só era amigo quem era "cool" e respondia ou era cumplice dos meus desejos sem vacilar.

Urge aprender a reconhecer a individualidade de quem nos rodeia; perceber que a sua (também nossa) e a nossa (também sua) vidas são unicas, irrepetíveis e vividas em com(unidade). Reaprender o valor do não sincero e pedagógico que vem de quem gosta de nós bem como ganhar coragem de saber dizer não se tal for necessário. Perceber que ser cumplice é, sendo fiel à nossa consciência, agarrar logo a mão de quem se atira a um poço sem fundo para não ter mais tarde que o resgatar do fundo de um poço que as vezes parece não ter retorno. Mesmo que nos custe e sobretudo quando nos custar!

22 de novembro de 2006

EGOFONICAMENTE REMODELANDO

Decidi passar a um relativo anonimato. Não tanto por mim... Sobretudo porque quero proteger a vida de tantos que me rodeiam.

Os "Apoios da alma"...
Porque me aturam de carne e osso (e as vezes é muito difícil)

O "Almas virtuais"...
Pessoas que não conheço e de quem vou lendo os blogs com muito interesse.

A nova arrumação pretende sobretudo ser mais verdadeira prestigiando aquilo que em cada um é unico!

Beijinhos e abraços

SANGUE NA GUELRA

Ainda que discorde em noventa e nove por cento com os existêncialistas, numa coisa tenho de lhes dar razão. É quando estamos presos que sentimos com mais intensidade a nossa liberdade.

Haverá maior movimento de liberdade do que livremente sujeitar-se ao que a vida nos propõe? Faço-o porque quero! Ninguem me obriga! E que pode a pressão fazer sobre mim senão intensificar este desejo profundo de fazer vida.

Percebo bem que não tenho nada e tudo o que desta fase possa resultar será sempre mais do que aquilo que possuo... Porque me consumir na cobiça de uma vaga "ao sol" ou no desespero da incerteza de um resultado que nem sequer depende exclusivamente de mim.

Prefiro olhar para o caminho e perceber que o percorro porque assim quero. Perceber que a cada sim que lhe dou deixo para trás um não que a minha fragilidade e cansaço me sossurram clamorosamente ao ouvido.

Porque onde quer que esta travessia me guie, mesmo que contrariando a minha vontade e certezas, será sempre para uma outra margem onde o Sonho e a Fé nunca deixarão de ser este sangue na guelra que, dia a dia, no seu pulsar grita que sou intimamente livre!

20 de novembro de 2006

CAMINHOS SINUOSOS

Já te aconteceu acordares cheio de projectos e certezas para o teu dia imaginando um lindo caminho de tijolos dourados pela frente? Começares o teu dia conforme o guião que imaginaste sorridente ainda no calor do teu cobertor, saires de casa com um sol radiante e até as arvores te sorrirem desfeitas em "bons dias"?

E estares tão bem disposto que dizes para contigo... "Não! Vou aproveitar para comprimentar a senhora tal a quem não falo à meses" e num sim silencioso deixares para trás os tijolos dourados com que sonhaste em proveito de um caminho sinuoso? Já te aconteceu entrares numa montanha russa de afectos e surpresas em que por um simples sim generoso a vida toma (positivamente) controlo de ti e te guia numa viagem mágica por entre a tua pequenez e os milhares de necessidades básicas e desesperos daqueles que te rodeiam? Sentires que a vida expreme-te até ao tutano dos ossos num gozo que nenhum egoismo te pode dar?

Já te aconteceu chegares à manhã de segunda-feira saindo do caminho sinuoso em que entraste, estando perfeitamente lúcido de que foste guiado e que num fim de semana andaste muito mais interiormente do que aquilo que o piloto automático do egoismo dos teus sonhos e projectos conseguiria fazer por si só?

Que doce sensação perceber que não sou completamente dono do meu mundo, que sou muito pequenino... Como é bom perceber que olhas por mim e me relembras que importam mais pequenos gestos cheios de amor do que mundos de afectos vazios de abandono.

17 de novembro de 2006

VIVEIROS IV

O berçario fascinou-me tanto mais no dia em que percebi que no andar de cima alguem expelia o último sopro, abençoando com a vida que entrega, num holocausto (in?)voluntário?, o choro que no mesmo momento me entrava pelos ouvidos.

Recordei a primeira vez em que na enfermaria fui confrontado com a morte. Revisitei aquela manhã em que de cama vazia, senti no ar aquele estranho e silencioso último obrigado sereno e em paz da Dona Maria (nome fictício) que só um coração aberto consegue escutar.

Afastei de mim o medo e a dúvida e diante daquele pequenino que então já dormia sereno (e quase de certeza sonhador), sorri profundamente com a beleza crua da vida que, por caminhos misteriosos, teima sempre em levar a melhor.

Viveiros...

16 de novembro de 2006

LÁGRIMA NO CANTO DO OLHO- Egofonia conjunta nº1

Shara calhou-te a ti o primeiro Link directo deste blog que como sabes também é um pouco teu... Talvez da próxima um post (voluntariamente) conjunto sobre qualquer coisa que nos seja querida aos dois com links reciprocos... (Pensa nisso ;) )

Agora senhor leitor, leia o que ela escreveu visto que mudando as peripécias particulares subscrevo integralmente e, se tiver paciência, leia também o que acrescentei.

VIVEIROS III

Naquele viveiro, dou por mim a pensar que será feito daquelas alminhas daqui por 10, 20 ou (quando eu já cá não estiver) 70 anos.

É um exercício divertido. Terrivelmente difícil reconhecer o próximo Einstein ou Dali ou distingui-lo do criminoso de delito comum. Ali naquela simplicidade somos todos profundamente iguais. Somos todos projectos de gente sobre os quais se deposita uma enorme esperança.

Esbatem-se os ódios, ninguem é preto nem branco... São todos simples bébés por quem qualquer um se dispõe a prescindir de uma noite no banco e em que todos sentem como sua a infelicidade de uma tragédia.

Também aqui os bébés nos dão uma grande lição... Na sua simplicidade redefinem igualdade como eu não o saberia fazer em mil palavras.

15 de novembro de 2006

DISCURSO DIRECTO

Ideias soltas que me invadem o espírito e que perturbam a ordem natural prevista para esta semana de textos (viveiros III e IV virão brevemente)

Parece que vem aí uma tarde de chuva torrencial bafejar-me na hora em que eu (e os meus colegas- um beijinho/abraço para vocês) recebo o meu diploma... Sendo assim, que chova torrencialmente. A chuva sempre foi sinal de vitalidade e mesmo debaixo de um céu cinzento só pode simbolizar esperança.

Ainda por cima num dia em que o Evangelho proposto pela Igreja (Cf. Lucas 17, 11-19) refere a cura milagrosa de dez (logo dez) leprosos por Jesus e celebra São Alberto Magno, grande sábio e teólogo que sempre tentou conjugar da melhor forma fé e razão.

Não acredito em coincidências... É bom reconhecer nos pequenos sinais o grande sorriso que Deus nos faz...

E por falar em sorriso de Deus. Estudar leucemias e linfomas é redescobrir a sorte que se tem por se estar vivo e perceber que mesmo que só se tenha 24 anos (ontem ouvia alguem dizer que já ninguem tem 24 anos) cada dia em que nos é consentido acordar é um grande milagre no qual Deus nos sorri com todos os dentes.

14 de novembro de 2006

VIVEIROS II

Intriga-me muito o choro simultâneo dos bébés. Quando um começa a chorar os outros acompanham em coro até aparecer um adulto. É um mecanísmo de defesa comunitário maravilhoso. A probabilidade de se ouvir dois bébes a chorar é o dobro da de se ouvir só um.

Desaprendemos muito depressa a chorar. Primeiro deixamos de chorar pelos outros e depois acabamos por nos esquecer de chorar por nós próprios... Quanto muito sentimos sentimentos de raiva ou fustração.

No princípio não era assim... Choravamos muito! e todos juntos!.... Há quem lhe chame crescimento... Não tenho tanta certeza disso. Continuo a preferir e a sentir que me é mais fácil acolher as tuas lágrimas periclitantes do que a frieza segura dos teus insultos... Sei bem o alívio interior que meia duzia de lágrimas verdadeiras produzem...

Esta ideia que se nos enfiou na cabeça de que só os fracos choram... Negamos a natureza intrínseca do nosso coração: As grandes almas e os grandes projectos foram todos regados a lágrimas.

Não sou lamechas nem sinto grande necessidade de chorar, simplesmente gostava de redescobrir no viveiro o meu eu "chorante". Para que no dia em que tenha necessidade ou simplesmente que seja oportuno, deixe de ter medo de chorar e perceba que chorar é de facto o nosso primeiro gesto comunicante e uma das grandes locomotivas que movem os nossos coração e vida.

13 de novembro de 2006

VIVEIROS

Sempre me fascinaram os berçarios das maternidades, ver três ou quatro bebés em linha como se aquilo fosse uma grande fábrica de milagres.

Na semelhança inegavel que existe entre todos- às vezes à vista desarmada e sem um olhar mais aprofundado é difícil perceber se é menino ou menina- percebem-se logo as diferenças profundas que existem entre cada um deles na multiplicidade rica que a vida tem para nos conceder. Descobrir o Pedro maravilhado com o mundo que se lhe abre diante dos olhos, a Maria sonolenta a fazer uma sesta depois do esforço de nascer, o António (já gordinho) a fazer uma birra enorme de fome.

É um esboço de mundo em microcosmos que naquela salinha se encontra. Um esboço no qual se descobrem cruas e gratuitas as linhas mestre de uma Vida e Humanidade rica e diversificada, que mais tarde, no nosso dia a dia, só se reconhecem se teimarmos em manter aquele olhar inocente e maravilhado de um Pedro recém-nascido.

E como é fantástico aqueles bébés todos, com poucas horas de vida, encandeando-me com a luminosidade de um sol de meio dia, curarem a minha cegueira de 24 anos recheados de certezas e rotinas.

10 de novembro de 2006

DELÍRIOS FARMACOLÓGICOS

Na faculdade fiz a cadeira de farmacologia com uma boa nota. Era tema que me interessava. Desde pequeno via no resolver problemas físicos com uns pozinhos mágicos que se engolia algo de intrigante. Nela sublimei uma parte daquele atavismo mistico-mágico presente em todas as crianças.

Contudo associada à farmacologia- que tem a sua utilidade- vêem os abusos e as dependências. A doce tentação de colocar ou domar os sentimentos e afectos num granulado comprimido que se toma. Em busca de experiências?

Alucinações produzidas por cogumelos alucinogêneos e LSD? Tenta estudar doze horas por dia, três dias seguidos. O trip é brutal, até as pessoas na rua parecem feitas de cartão e sem personalidade...

Abertura de espírito e capacidade criativa produzidas pela "ganza"? Quando não estiver a funcionar o teu trabalho, ganha coragem de te afastares dele por trinta minutos para passear e redescobrir o sentido profundo e a felicidade que te movem. Verás que a criatividade voltará reforçada.

Capacidade de dançar e divertires-te com os teu amigos graças ao ecstasy? Aprende a cultivar a beleza das amizades fora da noite. Depressa os teus amigos farão por encher de sentidos a noite que disfrutas.

A energia da cocaina? Olha com responsabilidade colectiva para o teu trabalho, sente que por muito simples e discreto que ele seja faz falta e contribui para o bem de todos. Haverá maior suplemento energético do que saber que o meu trabalho é necessário a quem me rodeia?

A serenidade da heroina? Tem a humildade de ir ter com a tua namorada, pais, irmãos ou amigos e diz-lhes que o dia te correu mal... Haverá maior serenidade do que a intimidade compreensiva de quem nos Ama?

Sei que as drogas andam mais perto de mim (ti) do que aquilo que posso (podes) imaginar. Que se consomem mesmo ao nosso lado nas casas de banho das discotecas e estabelecimentos que frequentamos publicamente e na privacidade das nossas casas sem que ninguem veja.

Se te sentes tentado e tens a felicidade de não consumir, recorda-te que a pílula da felicidade já foi inventada há muitos anos, chama-se vida, e por muito que tentemos nunca a saberemos colocar em comprimidos descartaveis...

Sendo natural (conceito que não quer dizer muito mas está muito na moda), encerra em Si um potencial de felicidade que nenhum comprimido te pode dar.

9 de novembro de 2006

216 000 PULSAÇÕES

Vinha para a biblioteca estudar quando vejo uma mãe com o seu filho de cinco ou seis anos. Apenas retive na antena o que de passagem ele dizia...
"- Vou estar longe dois dias mamã, vou ter imensas saudades tuas..."

E dei comigo a pensar dois dias serão 48 horas, 2880 minutos, qualquer coisa como 216000 pulsações (arredondando as taquicardias que aquela criança terá quando sentir saudades da sua mãe...). Parecendo pouco há de ser tanto naquele coração apertadito.

E dou comigo a perceber na simplicidade e inocência daquela criança que talvez ande a desperdiçar pulsações, visto que nas últimas 48 horas passaram-me ao lado 216 000 que bem cá dentro nem sequer senti...

7 de novembro de 2006

JURAS

Somos constantemente desafiados a comprometermo-nos com a vida em actos públicos de fidelidade. No casamento, no assinar de documentos no cartório ou na simplicidade do beijo que estendemos a uma amiga e do abraço fraterno.

É difícil julgar os nossos gestos... Somos sempre ambiguos aos olhos dos outros e muitas vezes conseguimos ser ambiguos diante do mais profundo do nosso ser. Muitas vezes, no final do dia, não sei onde termina a bondade de um gesto partilhado e começa a hipocrisia que brota da necessidade de ter de o mostrar. Não só aos outros mas também a mim próprio.

Seria ingénuo- ou pior, hipócrita- se não reconhecesse que existiram, existem e existirão sempre atropelos às promessas que fazemos. De todas as formas e feitios: tanto os óbvios, punidos e sancionados, como aqueles que passam despercebidos; os praticados conscientemente e aqueles que decorrem da inconsciência do gesto praticado.

Sei contudo que me magoam muito os agradecimentos imerecidos e as conquistas fáceis nas quais não tive que me comprometer. Sei que tudo isto me magoa muito mais do que aquilo que a humildade de me saber falivel e o esforço de pedir perdão ou de consertar aquilo que estraguei possam exigir de mim.

Hoje quero redescobrir o valor das promessas. Quero convencer-me que no repetir de palavras quero ser menos hipócrita. Gostava que mais do que repetir palavras encontrasse nas juras que faço aspiração a gravar altruismo na minha alma. Porque sei que nas promessas se fundem o compromisso e o desafio profundo a ser mais e melhor.

Lembro-me de fazer dezoito anos. Tenho perfeita noção que não mudei de um dia para o outro- na véspera criança e no dia seguinte adulto. Sei que fui crescendo a cada dia que passou e que neste movimento importaram muito duas coisas, o meu desejo profundo de aspirar a coisas maiores e o caminhar cumplice de quem me rodeou. Quando a promessa se recobre de um formalismo óbvio, como seja a tomada de posse de um cargo público, creio que quem a assume não caminha sozinho diante do mundo, acompanham-no a tradição e exemplo daqueles que o precedem e a cumplicidade daqueles que dando testemunho com ele caminham naquele percurso. Gostava de saber transpor esta consciencia para as minhas promessas veladas.

E, diante das minhas promessas, sempre que a hipocrisia surgir espero que ela me magoe no mais profundo do meu ser e que eu tenha a humildade de a reconhecer e emendar. Porque se assim for estarei seguro de que será tão só mais um fiel de um compromisso que passo a passo se foi fazendo.

6 de novembro de 2006

DESEMPOEIRANDO...

Limpar o pó pode ser muito difícil...

Implica sempre uma vontade intrinseca de não se conformar com a sujidade que nos rodeia. Tão mais difícil será se quisermos limpar o pó que temos na cabeça ou (para mim a situação mais difícil de todas) aquele que deixamos por desleixo assentar sobre uma amizade.

Este fim de semana consegui(mos) limpar o pó que aos poucos se tinha pousado no nosso silêncio velado. É terrivel o pó... Surge discreto, sem que ninguêm lhe peça nada e desvirtua a novidade das coisas.

Custou um bocadinho... Mas valeu a pena. Sabe bem olhar para ti e redescobrir-te (mais crescida com o passar dos anos) com esse sorriso fraterno e amigo.

Um beijinho.

P.S. E se tu para quem este texto não foi dirigido enfiares a carapuça... Faz favor de dizer qualquer coisa. Esta é uma boa altura para limpar o pó :)

2 de novembro de 2006

MIGRAÇÕES

Vim passear pela cidade velha. Passando na Graça vi pássaros alinhados num fio electrico abrigados do tejo que por trás aparecia imponentemente metálico em tons de cinza e prata. Estranhamente sereno e sombrio. É altura de migrar e os pássaros sabem-no bem. Procurar outras paragens mais quentes e acolhedoras, longe das chuvas, do frio e do inverno.

Sinto-me um pouco um desses passaritos contemplando o Tejo. Fascinado e assustado pela serenidade e receio que ao mesmo tempo ele me transmite. De manhã, bem disposto, desejo profundamente abraça-lo e deixar-me levar na sua serenidade de prata, mas de noite- quando os fantasmas aparecem às crianças debaixo da cama- ressalta aos meus olhos o seu tom metálico que transparece uma letalidade sombria.

Contudo, para mim, ainda não chegou a hora de migrar. Preso à terra que me viu nascer e aos compromissos que assumi, recordo a dívida de gratidão que tenho para com o Tejo e tudo o que ele simboliza. Pergunto-lhe antes no meu chilreio de passarito...

Que queres de mim?

P.S. O egofonias vai abrandar de ritmo... Sempre preferi a qualidade a quantidade....
Terá de ser! Beijinhos e abraços às amigas e amigos!