31 de outubro de 2006

DE CORPORE V- ESTOMAGO

Pois aqui está o já tão desejado de corpore!

Hoje lembrei-me do estômago. Queria meditar acerca de dois aspectos muito importantes da sua função...

O primeiro aspecto interessante prende-se com a sua anatomia. Tem funções de depósito alimentar. Enche, enche, enche... E depois esvazia progressivamente ao ritmo do resto do tubo digestivo. É uma virtude que me tem feito imensa falta esta capacidade de encher depressa e esvaziar lentamente. Tem-me feito falta esta capacidade moderadora... De "encaixar" (palavra tão feia) grandes quantidades de stress e tristeza em pouco tempo e de liberta-los lentamente ao ritmo das vidas de quem me rodeia...

O segundo é a sua personalidade ácida e corrosiva, inventado para triturar e liquidar tudo aquilo em que toca. Contudo sendo desconfortavel para as visitas é um personagem fundamental na nossa vida. Faz-me lembrar alguns dos meus amigos... Antes de estar com eles já tenho azia só de pensar naquilo que tem para me dizer. Quando estou com eles magoa-me o seu sarcasmo! Mas depois... a frio... Apercebo-me da veracidade daquilo que dizem e percebo que se não fosse aquela acidez, o meu carácter mais doce nunca saberia descascar o fruto agradavel que me oferecem... Por isto, um muito obrigado para vocês que bem sabem quem são...

30 de outubro de 2006

CACTOS

Uma passagem pela botânica...

Hoje acordei ambivalente como o cacto.

Os cactos são plantas que me intrigam pela eficiência com que gerem os parcos recursos com que vivem. Fascina-me a força da Vida que teima em crescer no deserto.

Contudo como em todas as situações de dificuldade tem aquela terrivel tendência de desprezar o belo que confere alegria à vida. Deixam para trás as flores trocando-as por espinhos aguçados.

Se hoje te sentires como eu- cacto- não te conformes com a simples eficácia do teu trabalho... Sorri para a vida, não deixes que as tuas flores sequem e que no seu lugar cresçam espinhos.

Se tiver que ter espinhos... Ao menos que seja rosa... Os espinhos nunca tiraram a beleza a esta flor nem tão pouco os apaixonados alguma vez se deixaram de picar neles inebriados no desejo de a ofereçer.

27 de outubro de 2006

SURPRESA

Gosto de ser surpreendido pela vida. Partilho um momento com o qual fui premiado ontem que me iluminou o coração.

Estava eu a caminho de um hospital lisboeta onde estagiei recentemente para estudar quando me cruzo à porta com uma doente que enquanto aluno acompanhei. Nem me viu, passei-lhe pelas costas. Mas sorri, porque lhe reconheci no rosto um sorriso, embrenhada naquelas coisas simples da vida a que ninguem presta atenção. Ajeitava o casaco da mãe (uma senhora já de uma certa idade).

Fiz muito pouco por esta doente em particular. Limitava-me a observa-la todos os dias. Mas sabe muito bem poder ver assim um sorriso tão cheio de vida e saber que pequenino e de uma forma distante contribui para aquele momento feliz que me passou mesmo ao lado.

26 de outubro de 2006

CASQUINHA DE NOZ

No mar alto a vida ganha outras matizes... Em tons de azul! Um azul imenso em que se perdem as referências e às vezes nos sentimos desnorteados. E eu tenho estado numa viagem longa, as vezes meio a deriva em mar alto, perseguindo sonhos que ainda estão para lá do horizonte.

As vezes, quando o cansaço vem ao de cima e o mar está mais revolto, tenho a clara noção que não sou eu que guio o barco, nada corre como quero, esforço-me e não vejo resultados palpáveis. A única coisa que me conforta é aquele quentinho de coração que no anoitecer me diz "Não podias ter feito mais, mais não te será pedido"

Mas que pode uma casquinha de noz fazer contra um oceano? Não tenho outra solução senão deixar que as correntes me guiem. Nas noites de acalmia, olhando para as estrelas, percebo para onde sou guiado. Sei que sigo em frente, para a outra margem e que em breve tudo isto terminará.

Por agora pouco interessa o destino- É curioso lembrar-me que foi pelo destino em si que me fiz ao mar...- prefiro deixar-me levar por estes tons de azul empenhando-me e lutando todos os dias para manter o barco à tona, disfrutando do passeio que me é dado. De vez em quando olho para o horizonte...

Sei que em breve verei gaivotas!

25 de outubro de 2006

CHUVA DISSOLVENTE

Porque chove torrencialmente lá fora e no coração de alguns amigos...

Também eu tenho andado meio cego, teimando em não querer ver para lá das evidências. Porque me fixo na fealdade que hoje apresenta o céu desesperando por não ver um raiozito de sol. Contudo a terra ressequida agradece esta chuva... No seu percurso silencioso promete desde já verde e flores, pássaros e vida para a próxima primavera.

É na dureza concreta da vida, na dor que nos induz e nas grandes tempestades interiores que despoleta que surgem os grandes sonhos e se eleva a Vida. Fico feliz por saber que chove torrencialmente no teu coração... Não tanto pelas dificuldades que hoje passas, mas sobretudo porque sei que esta é a época das chuvas, chuvas dissolventes que na natureza e em nós arrastam e arrancam tudo aquilo que não encerra em si promessa verdadeira de vida.

Não teimes em desesperar... Abre antes o teu coração ressequido à chuva, consente que neste desconforto a água se misture à sua essência, enxarcando-o de sonhos e caminhos de vida, esperança e alegria. Tem presente que, por muito que te custe, é hoje que se constroi a (tua) próxima primavera... Porque esta é a época das chuvas... Chuvas dissolventes!

Um beijinho

P.S. Penso que não seria necessário escrever isto, contudo não vá eu falhar por omissão...

E se chover muito, e por instantes pensares que te vais afogar... Não desesperes! Não te esqueças que não estás sozinha... Tens à tua volta montes de boias onde, se quiseres, te podes agarrar...

24 de outubro de 2006

DUVIDAS

Este não é, nunca foi nem nunca será um blog político. Detesto política.
No entanto a democracia apela nestes meses à intervenção directa de todos... Sinto-me pois convidado a exprimir a minha opinião com clareza, ainda que corra o risco de não ser consensual nem tão pouco políticamente correcto. O caracter não se quer proselítico ou dogmático... São achas para a fogueira para uma reflexão isenta que deve processar-se no intimo de cada um.

Querem-me fazer crer que um embrião de 10 semanas não tem identidade jurídica mas outro com 10 semanas e uns segundos terá. Duvido! Surge-me com muita clareza diante do espírito que a célula-ovo possui em si uma identidade singular e humana intrinseca configurada no seu património genético.

Querem-me fazer crer que faz parte do corpo da mulher. Duvido! À luz daquilo que vejo a relação embrião-mãe assemelha-se muito ao parasitismo. O embrião é totalmente dependente da mãe, condicionando mesmo a sua fisiologia. No entanto no sentido restricto não é "mãe". Mãe é tudo o que o envolve.

Querem-me fazer crer que é um problema da mulher, do foro da sua intimidade. Duvido! Os embriões não surgem por geração expontânea. Nalgum momento um homem desempenhou um papel e deve ser corresponsável nas obrigações e privilégios inerentes aquele ser. O verdadeiro problema da mulher é a sociedade querer isolá-la, dissociar a paternidade de todo este processo e fazer crer que tem de estar por conta própria diante de cenários que reconheço são muito difíceis.

Querem-me fazer crer que respeita a vontade de todos- que aqueles que sentem necessidade podem faze-lo e os que não querem não são obrigados. Tenho duvidas! Sendo realizado pelo SNS é pago pelos impostos de todos. A vontade daqueles que estão contra não é respeitada.

Querem-me fazer crer que é um problema de saúde pública. Aqui tenho menos dúvidas, contudo questiono-me se não existirão problemas de saúde pública que tocam muito mais gente e que deveriam ser prioritários. Que dizer da prevenção das doenças sexualmente transmissíveis ou do déficit de natalidade e consequente envelhecimento populacional? Por outro lado será a despenalização a única forma de responder a este problema? Tenho dúvidas!

Querem-me fazer crer que é uma opção. Tenho dúvidas! A Vida não é uma opção, é uma causa pela qual todos os dias milhares de pessoas sofrem e lutam. Como a Liberdade, a Democracia entre tantos outros pilares da nossa sociedade. Consideremos por absurdo que a Liberdade não é tanto uma causa mas antes uma opção. Neste contexto podemos sempre argumentar que sendo opção é relativa, criem-se pois campos de concentração para aqueles que segundo a minha opção de liberdade não são verdadeiramente livres... Parece-me no mínimo absurdo.

Querem-me fazer crer que é evolução e modernidade. Tenho Duvidas! Numa sociedade que pretende valorizar opções, a redução hiérarquica de uma causa a simples opção nunca pode ser modernidade ou evolução. É retrocesso que contraria as grandes conquistas e as causas vencidas pela nossa sociedade. Parece que será tão retrocesso como o seriam a censura e outras restrições à liberdade de opinião, o retorno à tortura e a prática de sevícias corporais punitivas, a instituição da pena de morte.

23 de outubro de 2006

FEMINILIDADE E MATERNIDADE

Sempre me fascinou a maternidade, esse movimento que nunca poderei reproduzir. Não só no aspecto óbvio da gravidez e do parto mas também nas horas de sono mal dormidas que as mães passam por culpa dos filhos ou na mortificação sempre inconformada de os verem perdidos. Alegra-me essa essência protectora tão própria das mulheres.

Creio que a sociedade é muito sexista. Fazendo a apologia cultural de um estereótipo marcial de luta e vitória discrimina a feminilidade nesta sua essência. Convida as mulheres a serem homens (com h pequeno) como eu, arrastando a maternidade para um patamar secundário e cobrindo-a muitas vezes de um manto discriminatório.

Nestas coisas sou muito sexista! Não posso querer ter a presunção de tratar por igual coisas que a olhos vistos não são iguais. Mas não de uma forma decrépita e retrógrada. Não me fascina nada o modelo machista do século XVIII do "jantar, pantufas e jornal" nem tão pouco o modelo feminista do século XX dos soutiens queimados pugnando por uma pertença liberdade do jugo masculino.

Acredito na complementariedade. Sinto que na minha masculinidade (com as suas virtudes e defeitos) se esgota a tua feminilidade e na tua feminilidade (com outras virtudes e defeitos) se esgota a minha masculinidade.

Parece-me urgente mudar formas de se estar na vida. Para quando este já tardio e necessário reconciliar de sexistas inveterados? Para quando este deixar para trás de umbigismos pugnantes por privilégios em proveito de um reconhecer que nestas diferenças existe o espaço indispensável para se alicerçarem relações a dois verdadeiras.

Para quando o juntar vozes por valores que nas nossas diferenças profundas reconhecemos no sexo oposto? Sonho em ver mulheres fazerem a apologia da essência masculina da paternidade e homens a reconhecerem o mérito intrinsecamente feminino da maternidade. Todos (homens e mulheres) seguros de si próprios e dos seus papeis e felizes por verem no sexo oposto os seus limites e razões ultimas das suas capacidades num gesto franco de abertura e interdependência.

E isto teria de passar pela reabilitação urgente e reconhecimento social das diferenças entre maternidade e paternidade, protegendo ambas como dinâmicas distintas, complementares e indissociáveis.

22 de outubro de 2006

PORQUE VOU À MISSA

Duas amigas perguntaram-me recentemente em contextos diferentes porque vou à Missa...
Respondo-lhes com um texto que escrevi há cerca de um ano no raizes. Continua a ser a melhor resposta que encontro. Um beijinho para vocês as duas

O dia já vai longo. Correu bem, tenho o espírito cheio. Cheio de alegrias e vitórias, canseiras e tristezas. Como me custa abstrair-me de mim próprio, do meu mundo e da minha vida. Sou novo, tenho energia. Tudo quero viver, tudo ver, tudo sentir! O mundo pisca-me o olho… São luzes, são cores e risos, são contrastes que me maravilham.

E então, no escuro do coração que desconcentrado tenta rezar umas palavras para dormir, surges numa manjedoura… Relembras-me Menino que nem tudo é assim. Há um mundo que em silêncio vai (discretamente) nascendo como o sol. A Tua simplicidade intriga-me. A curiosidade acalma o coração e aviva o espírito. É curioso! Preenches! Mas onde estão as luzes e os risos? O que me atrai? As palhinhas? A estrela no céu? A vaquinha? Talvez simplesmente a alegria de um menino recém-nascido?

Sorris. Desarmas-me e deixo-me envolver nesse sorriso. Sorrio Contigo. Mentalmente revisito o Sacrário. Como me custa as vezes o estéril sacrário Jesus. Parece que fugiste. Está lá uma luzinha mas eu tenho o meu coração fechado. “Coração?”-perguntas-me Tu. E eu fico pensante. Lembro-me de uma catequese… de me ensinarem que diante de mim está o Teu coração. Sim, um coração de carne, que bateu no seio de Tua mãe. Igual em tudo ao meu que sinto latejar no meu peito.

De repente sinto a pedra que tenho dentro de mim: É verdade… Bem queres que os nossos corações sejam iguais! Ofereces-Te no Teu coração todos os dias nos altares das Igrejas para que o nosso pulsar seja um só. E que faço eu com isso? As vezes nada… ou mais grave ainda, sorrio pela pedra dura que tenho no peito clamando “o nosso coração está em Deus” numa rotina que não se quer deixar maravilhar, convencida que tudo percebe e tudo sente.

Revisito o sacrário e vejo a cruz. Pergunto-me onde estava o Teu coração nesses momentos? E segredas-me ao ouvido “Ao teu lado, sempre esteve ao teu lado, pulsando e batendo por ti até à última batida!” e sorridente acrescentas “Se acreditares, hoje mesmo estarás Comigo no paraíso”. Relembro-me dos dois ladrões… Revejo-me neles. Duvido do meu coração e da minha sabedoria… Diante de um foragido crucificado veria eu a minha salvação? Provavelmente não… Tenho um coração duro e sei muito pouco!

E maravilhas-me… Consentes que me afaste de mim próprio e veja um pouco do mistério: um coração duro e empedernido que na ternura do Teu pulsar queres fazer bater para encher de Vida. E o mundo desvanece…
Olhando para o dia que termina consigo toscamente reconhecer o Teu sorriso naqueles que ajudei, o Teu chorar naqueles que maldosamente abandonei, a Tua força nos momentos em que venci e a coroa de espinhos que Te ofereci na maldade que consenti. Apercebo-me que és um Deus vivo, actuante e concreto.

E sereno apercebo-me o quanto o essencial é invisível aos olhos, sinto o meu coração timidamente dar uma batida e apercebo-me que foste Tu quem o fez bater. Percebo que todo o resto virá por acréscimo… Os pedidos de desculpa que terei de fazer, os agradecimentos que terei de dar e a sabedoria e caridade que as surpresas que o amanhã me reserva exigirão.

Muito obrigado, tem uma boa noite e até amanhã!

ESCOLHE A VIDA

Texto publicado hoje no Raizes... Leiam o Raizes :)

“Não vale mais a pena! Tudo me corre mal! Os meus pais acabam de se divorciar, não tenho irmãos, a escola corre mal e chateei-me com os meus amigos…” Deixaste-me sem palavras, sinto o teu vazio no fundo do meu coração. A tua desmotivação assusta-me. Deve parecer-te que a vida não tem solução, que tudo se afunila num vazio sem sentido e deixas-te ir atrás das tuas fragilidades.

Não tenhas medo. É na dificuldade que sobressaem as verdadeiras virtudes... A vida é muito mais do que todo o conforto que ela nos pode dar. Afasta-te do teu umbigo, do desconforto que justamente sentes… Olha em teu redor… Sentes o amanhecer do novo dia que te desafia?

“Onde?”- perguntas tu. Nas coisas pequenas que não costumas valorizar… No nascer do sol, nas gotas da chuva que teimam em rasgar-te um sorriso se as quiseres acolher. Mas também no jeito que tens a jogar futebol, na colecção linda de postais que com tanto carinho guardas, no bom dia sorridente que a custo esboças à senhora da padaria quando de manhã vais comprar o pão… Sim esse sorriso que já começas a mostrar!

Mas isso é tão pouco, pensas tu com alguma razão… Não te vou mentir, pode não ser muito… Mas é bom e é teu… Se calhar é tudo o que tens para dar hoje. Não sejas orgulhoso, maravilha-te com as migalhas que dás, há quem tenha menos do que tu para dar!

Mas fá-lo de coração aberto, são o primeiro passo de um caminho longo que tens para fazer. Abre-te a vida. Na alegria do dar depressa encontrarás motivação para o que te é pedido e desejo renovado de tornar a dar.

E são tantas as situações em que te é pedido que dês… Nisso tens muita sorte! Vamos revisitar a tua vida… Os teus pais… Sabes quanta falta lhes fazes agora que não se conseguem entender? Já pensaste que é por teres magoado os teus amigos e lhes fazeres falta que eles andam chateados contigo? Com a escola é a mesma coisa… Não se recebe nada da vida se não fizermos um abandono diante dela.
Por isso muda de atitude, acolhe cada momento como se fosse o último, cada segundo como a ocasião única que te é proposta para te dares. Porque o que faz com que o mundo seja melhor é a Fé que temos, esta inquietação perpétua que, face às inquietações do mundo, nos interpela a escolher caminhos de Vida na certeza de que há mais alegria em dar do que em receber.

20 de outubro de 2006

ROTINAS

Hoje escrevo por reacção, vinha cheio de pressupostos mas alguêm me fez recolocar-me diante da verdade concreta do meu percurso. (Um beijinho para ti Ná)

A vida destes meses tem sido uma enorme e profunda rotina. No nosso desejo profundo de novidade este deve ser dos maiores obstáculos que conheço à serenidade interior. Custa-me muito o virar infindável de páginas (secas e muito iguais entre si) nas horas infinitas que nestes meses tenho consagrado ao estudo. Qualquer pretexto, por mais irrisório que seja, afigura-se bom para se fugir!

Ainda por cima quando as telenovelas venezuelanas (ou os nossos já míticos morangos com açucar) muito mais mexidas e "cor de rosa" me dão uma ideia muito mais colorida e dinâmica da vida... No entanto, as personagens não tomam banho, sendo estudantes parece que não tem trabalhos de casa, por artes mágicas tem a casa sempre arrumada, entre mil outras simplificações de vida sem as quais a luta pelos shares seria uma batalha perdida.

A minha vida não é nada assim. Entre cada momento brilhante que me acalenta o coração e renova a esperança existem milhares de minutos de rotinas que por muito que me custem tem de ser cumpridas. E como essas passam ao lado da memória tão depressa... Exemplo óbvio o gozo que me deu ter a certidão de licenciatura nas mãos em agosto em oposição às horas de estudo que tive de gastar para lá chegar...

Repetir uma coisa boa chama-se virtude. E as vezes é difícil sustentar uma virtude. Sendo honesto com a vida... É difícil ser-se fiel a compromissos feitos, em qualquer contexto da vida. Levante o dedo o namorado que tem a felicidade de nunca ter sido tentado ou o estudante que nunca teve vontade de fugir dos livros...

As rotinas não são más em si e atrevo-me a dizer são mesmo indispensáveis para se ser feliz. Agora que tenho um coração pequenito para as acolher... Isso tenho!

19 de outubro de 2006

ANERGIA

O excesso de estudo permite que se façam intercâmbios curiosos entre o conhecimento técnico e a vivência do dia a dia.

Este é um post para ti. Já o sabias ontem que seria para ti... Espero que gostes!

A anergia é um conceito extraido da imunologia. É o que possibilita às células imunitárias (assassinos celulares que se passeiam pelo corpo matando tudo o que não interessa) deixarem para trás o seu espírito bélico. A utilidade é obvia. O que seria de nós se estas células passeando-se pelo intestino, ao serem confrontadas com tantos agentes não identificados desatassem para lá a matar tudo e todos indescriminadamente.

Foi nesta anergia que nos conhecemos... Num sublimar voluntário de uma certa agressividade e vontade de sobreposição em proveito de um "tu" que na primeira hora nos segredou ao coração que valia mais do que o nosso orgulho.

É bom ler no intimo dos teus olhos essa tua boa fé instintiva que nada pede mas esforça-se por dar um pouco de ti mesma nos pequenos passos que timidamente fomos dando.

É fantástico reconhecer desapaixonadamente a imensa intimidade e partilha que temos se atendermos ao pouco (cada vez maior) que nos conhecemos e perceber que brota de uma confiança mútua e profunda.

E sobretudo maravilhar-me com a gratuicidade que imprimimos a toda a situação, numa dinâmica em que temos estado sempre mais dispostos e esforçados a dar daquilo que temos do que a cobrar aquilo que podemos recolher.

Não me preocupam muito os próximos passos, estou certo que serão sempre bons. Só tenho receio de que no pequeno carvão que temos nas mãos não saibamos reconhecer um diamante em bruto (são muito discretos os diamantes em bruto, às vezes até feios) ou pior que no processo de delapidação falhemos um entalhe e comprometamos irremediavelmente o tesouro que de alguma forma creio que nos foi dado.

Confio nesta anergia que temos ao partilhar contigo estas palavras soltas, perguntando-te num grande sorriso "Que posso fazer por ti?"

Um beijinho.

18 de outubro de 2006

CRESCIMENTO ORGÂNICO

Como hoje tenho tempo para escrever lanço-me num post mais introspectivo

Se não fosse médico teria querido ser agrónomo. Sempre me fascinou a ideia de lançar sementes à terra e maravilhar-me com o fruto produzido. Por vários motivos.

No perceber que num grão está contida toda uma planta num passe de magia que ilude os meus olhos incrédulos que acreditam sem ver. É sempre intrigante descobrir que uma coisa tão discreta pode dar uma planta tão fantástica. A transição para a minha (tua) interioridade é imediata... Tanta coisa boa depositada em nós em sonhos e ideais que nem sonhamos serem possíveis de concretizar.

No maravilhar-me com a generosidade da terra, da água e do sol que, em concerto, do nada que é aquela semente produzem tanto fruto. Porque os meus sonhos também se tem que alicerçar na generosidade e cumplicidade das vossas forças. Não somos nada em nós mesmos, a inter-dependência está no amago da vida.

Na parábola do grão de trigo que tem de morrer para dar fruto bem presente em todas as metamorfoses que se vêem na natureza. Do simples grão à bela borboleta. Porque crescer tem sempre de implicar abandono de nós mesmos e alguma fé. Não a fé religiosa! Simplesmente aquela crença básica de que aquilo seguro que deixo para trás é sempre menor do que o inseguro que ao virar da curva me pisca o olho.

No conformar-me com a dinâmica própria da natureza. Nos carvalhos que me surgem imutáveis e perpétuos mas que encerram em si um longo percurso sereno de vitórias e revezes expresso nos veios da sua intimidade de árvore e nas cicatrizes da sua casca dura. Porque também nós encerramos alguma desta imutabilidade dinâmica em nos próprios nos nossos ideais e afectos que tem sempre de ser forjados neste jogo de parada e resposta de resultado incerto; em que somos desafiados a acolher cada vitória e derrota como etapa de crescimento mais do que agressão, recalque e frustração.

E por muito que nos custe na provocação da morte que nos relembra em cada instante que este é um tempo finito... Que as grandes coisas não podem nem devem ficar para amanhã. Que há uma urgência existêncial em fazer da vida fonte de vida neste perpetuar de um ciclo no qual em última análise não somos mais que um grãozinho de uma praia maior!

Saiba eu crescer de forma orgânica, passo a passo...

17 de outubro de 2006

DE CORPORE IV- UMBIGO

Finalmente mais um de corpore! Desculpem o atraso!

Umbigo, essa linda marca que embeleza as barriginhas. Sabiam que é uma cicatriz? Homenageia com elegância os bons velhos tempos de vida uterina a comer, dormir e crescer num jacuzzi a 37º C durante 9 meses sem termos que nos preocupar com religiosamente nada...

Nos últimos anos tem adquirido um papel de "caracter sexual terciário" ao ser enfeitado com piercings ou sugestivas tatuagens (aquelas em sol por exemplo) enquadrados por tops curtos que fazem os olhares masculinos baixarem de forma irresistível... Brindam a individualidade e promovem o contacto interpessoal.

Tudo isto é muito bom... Contudo não podemos esquecer que há muito mais para além do nosso umbigo. Ele faz-nos sempre acreditar que somos autosuficientes (reminescências da ilusão fetal?) e o piercing mais do que adorno pode ser isco para fazer de quem nos rodeia presas...

E é paradoxal perceber que em ultima análise o umbigo traduz um momento de rotura com o nosso comodismo e um desafio de abertura ao próximo... Já viram o primeiro choro de uma criança (simultâneo à primeira expanção pulmonar)? É a ilustração cabal do que é crescimento!

Crescer é também acolher este desafio a deixar de se ser parasita preso por um cordão umbilical (indispensável) mergulhado numa ilusão de autosuficiência em proveito de se deixar parasitar consciente de que todos somos interdependentes! Por muito que custe ao nosso umbigo!!!

16 de outubro de 2006

BOTAS AZUIS

Hoje ao sair de casa deparei-me com um dia de chuva com um céu bem carregado. A regressão foi expontânea e roubou-me um enorme sorriso.

Recoloquei-me num dia igual, há quase vinte anos, no liceu francês, desejando ardentemente umas galochas azuis... Primeira egofonia? Gesto de sublimação (nunca foi muito de revoltas) depois da descompostura que a minha mãe me deu por me ver todo encharcado de andar como os patinhos a chapinhar na água...

E que alegria foi o par de botas que me ofereceram uns dias depois e poder (nos limites do conceito de liberdade que tinha na altura) chapinhar naquele lamaçal de água, terra e folhas castanhas...

Mal sabia eu que as calças também se molhavam... Foi giro perceber que tinha voltado a pisar o risco uns minutos depois quando a contínua me trocava de roupa e cheia de ternura me explicava (não me recordo com que palavras) que tinha muito que crescer.

Hoje a chuva relembrou-me estes dois tesouros da vida... A inocência das crianças que tento manter em cada passo que dou - bem que me apeteceu chapinhar na lama- e a capacidade de crescimento que assim sorrindo na minha (relativa) meninice me estimula a ser maior.

13 de outubro de 2006

ABANDONO

Hoje queria celebrar-te a ti Maria...

Quero remaravilhar-me com esse teu abandono silencioso. Sempre me surpreendeu esse teu trabalho de bastidores ao qual raramente se chama a atenção. Mudares-Lhe as fraldas em pequenito, chamares-Lhe a atenção de que tinha acabado o vinho no casamento dos Vossos amigos entre tantos outros gestos que por certo fizeste.

E sobre que pressão, hoje também ela tantas vezes desvalorizada... Desde logo desprezada naquela noite de Natal, numa relativa solidão, rodeada pelos olhares incrédulos do mundo que teimam em não reconhecer o milagre, à beira do repúdio público...

Mas tiveste o mérito de na Fé te entregares à Vida que te foi confiada, na alegria e na tristesa, sempre nesse silêncio próprio de quem se diminui para que Outro cresca.

Neste dia em que te celebramos queria ficar num registo simples e informal próprio dos amigos, assim num obrigado de quem sabe que pode contar com o teu silencio sempre presente.

Um beijinho para ti

P.S. A matriz católica do egofonias é óbvia. Não tenho presunção proselítica... Mal estariamos se a capacidade de Deus te interpelar dependesse exclusivamente de mim... Agora sendo este um espaço introspectivo... Não me pessam para negar o que vivo e testemunho!

12 de outubro de 2006

GESTOS (CON)SENTIDOS

As vezes no silêncio dos gestos partilhamos mais do que aquilo que calculamos. E que felicidade descobrir depois os vários sentidos do nosso consentimento. Perceber que discretamente recebemos mais do que aquilo que esperamos e damos mais do que aquilo que conseguimos.

Minha querida (posso tratar-te assim ou preferes o "amiga" formal?) Sabes que sem nos darmos conta pisamos juntos uma tenue linha que não tem retorno. Ainda que os nossos trajectos se separassem hoje já construimos o suficiente para não poder negar nem jamais esquecer o caminho trilhado.

Fico feliz por termos sempre sabido por gestos com(sentidos) sentirmo-nos mutuamente. As vezes tem sido difícil outras vezes doce e agradável. Saiba eu ser sempre humilde para acolher a tua fragilidade e dócil para me confiar à tua fortaleza, assim neste jeito que desde sempre foi tão próximo mas tão desapegado.

Um beijinho discreto para ti

11 de outubro de 2006

AGENDA

Muitas vezes temos a cabeça do avesso e trocamos as prioridades da nossa vida... Damos o essencial do nosso tempo as obrigações do dia a dia e só investimos as sobras naquilo que realmente é importante.

Os resultados são óbvios... Famílias desagregadas porque os casais partilham o mesmo espaço e obrigações mas não dão cinco minutos de atenção a interioridade de cada um, crianças desenraizadas porque os pais lhes põem comida na mesa mas esquecem-se do beijo devido, amigos que partilham percursos mas não se conhecem e paradoxo dos paradoxos... Terríveis profissionais porque desinvestidos da vida que levam...

A experiência ensina que o esforço é sempre recompensado (e isso é absolutamente verdade). No entanto apercebo-me dos perfeccionismos ocos a que sou tentado e que me empurram para uma vida alicerçada "em sobras" que não me basta... Não destrinço muito bem o trajecto que começo a trilhar mas percebo perfeitamente que tenho que rearrumar a minha agenda...

Até porque a família, as amigas e os amigos, os colegas e demais pessoas que nos rodeiam não merecem ser tomados como eventos agendáveis. Porque é muito triste o teu aniversário ser um lembrete na minha agenda que perturba a ordem natural das coisas, ser o dia de pagar a conta da luz!

10 de outubro de 2006

SENHOR PROFESSOR

Hoje queria recordar um professor que me marcou... Nunca saberei se muito, se pouco... Mas alguma coisa dele terei assimilado com certeza.

Não vou gabar as virtudes pedagógicas do senhor... Só me deu uma aula, não ensinou grande coisa e o tema era realmente muito chato... Tirou-me algumas horas de vida privada em casa para me por a par da sua verdadeira densidade.

No entanto era claramente um apaixonado pela vida... Como uma criança, transmitia perfeitamente a sensação de que sorriria por todos os motivos. Nada o conseguiria abalar... Era daquelas pessoas que abre a porta de casa de manhã com a inocência de se perguntar "que surpresa me trás a manhã para me fazer sorrir?" e que, gesto contínuo, acolhe o sol ou a nuvem carregada com a mesma alegria escancarada na cara por aquilo que eles representam no seu absoluto.

Ironia da história... A sua profissão! É oncologista, lida diariamente com uma dose enorme de sofrimento e com o drama da morte...

É estranho como na vida, tantas vezes não sabemos valorizar as coisas que temos... Somos todos grandes mimados... Tão mimados que nem nos apercebemos que negamos Quem nos mima.

P.S. E ao senhor professor, se alguma vez ler estas linhas, o meu muito obrigado...

9 de outubro de 2006

OMISSÕES

Porque os extremos tocam-se hoje quis homenagear os que estão mais próximos de mim. Particularmente aqueles que cruzando-se comigo escapam à minha consideração.

Porque nem sempre sei estar atento e disponível, porque nem sempre sei escutar no vosso silêncio as expectativas que justificadamente colocam em mim... Porque são vocês que mais magoo, não tanto por gestos e palavras (e às vezes Deus sabe...), mas sobretudo pela terrivel omissão falsamente justificada na vossa presença sempre presente.

Porque sei que ainda tenho um grande umbigo, que muitas vezes vos instrumentalizo num concerto de sons lugubres e egoistas. Porque vos faço tantas vezes refúgio mesquinho da minha solidão mais do que ponte para a minha partilha.

Por isso hoje te peço a ti que te vais cruzar comigo... Não omitas! Não sejas condescendente com a minha omissão. Ainda que me magoes, ainda que te doa... Sê exigente comigo, diz-me que te magoei, reclama o espaço que em mim sabes ser teu e do qual te vês privado(a)

Beijinho/Abraço

7 de outubro de 2006

DISTÂNCIA

Porque sei que as distâncias são aquilo que fazemos delas.

Na vida, perseguindo sonhos, todos somos confrontados pela experiência da solidão... Pelas horas de estudo que os livros nos roubam à vida, pelas viagens a que nos obrigam (um beijinho para as duas amigas que neste mês partiram para fora...) ou por mil outros motivos.

Convosco partilho um pensamento que sendo muito simples me parece de uma elegância e de um reconfortante como conheço poucos...

Parto de uma auto-análise desapaixonada... Olhando para dentro constato que em cem pessoas que conheço simpatizo com trinta, gosto muito de vinte, adoro dez e eventualmente me deixo apaixonar por duas ou três de entre as raparigas que vou conhecendo(comodismos de coração solteiro e descomprometido...)

Ora partindo dos pressupostos de que sou normal e de que normais serão também as centenas de pessoas com quem convivo é lícito supor que, no seu silêncio...
Algumas centenas simpatizam comigo
Algumas dezenas gostam mesmo muito de mim
E uma dezena de moças anda (ou andou) a consumir-se numa paixão terrivel por minha culpa.

Sorrindo para o meu livro pergunto-te... Estarei realmente só?

6 de outubro de 2006

DE CORPORE III- OLHEIRAS

Hoje estou com olheiras, tive insónias, madruguei e acordei às cinco da manhã...

Quer dizer não foi propriamente acordar, foi contemplar a alvorada da alma enquanto o espírito acorda e o corpo teima em não despertar, naquele estado transitório em que a lua beija o sol e a consciencia partilha vida e caminhos com o inconsciente sem medos nem tabus.

Fez-me bem redescobrir esta unicidade de alma em que desejo e razão se fundem. Em que se percebe a candura presente nos negros dos nossos cinzentos. Em que a consciência se alimenta de sonhos indomados e as pessoas que caminham junto de nós recuperam toda a sua aura de gigantes adormecidos.

Fez-me bem redescobrir esta unicidade de alma em que a consciência tem espaço para sublimar pulsões desvairantes em proveito de um bem maior, onde pode julgar desapaixonadamente este ego (no sentido não psicanalítico) e as causas profundas do seu agir independentemente do que se possa dizer ou pensar.

Fez-me bem dormir pouco... Vi o sol beijar a lua :)

Próximo de corpore... Umbigo

4 de outubro de 2006

NEM TUDO O QUE LUZ É OURO

Este é mais um daqueles posts que me vai ser difícil escrever por se encontrar naquele limiar da minha capacidade de auto-percepção. Desculpem-me os puristas literários por eventuais falhas no português (Um beijinho para si avó)...

Nem tudo o que luz é ouro... É dificil ter recuo sobre nós mesmos, sobre os nossos actos e conseguirmos julgar a sua correcção. Um critério que me é diariamente proposto é o "sinto-me bem com o que faço, logo procedo bem...". Se procurar um pouco na minha experiência descobro várias situações em que isso é óbvio... A partilha de um sorriso de um amigo a quem ajudei, a alegria de um bom resultado num exame que vem premiar horas de estudo esforçado entre outros milhares de exemplos.

No entanto nem sempre é assim. Pergunto-me... Procederei realmente bem ao dar esmola a um sem-abrigo alcoólico- para aliviar este desacerto de consciência que ele me provoca- quando sei que em última análise não terá domínio sobre si próprio e que aquela moeda lhe dará mais um litro de tinto... Ou repegando naquilo que dizia à pouco... Será benigno o sorriso do meu amigo se a partilha não for autentica e generosa? Que dizer da minha felicidade por uma boa nota se as horas de estudo investidas tiverem sido em prejuizo de situações prementes às quais me demiti de dar resposta...

Creio que a bondade é bem mais complexa que isto, um alívio bacoco de consciência ou uma racionalidade desenraizada de dúvidas existênciais. Ser bondoso nunca pode ser levado exclusivamente como um suprir das minhas necessidades ou desejos pessoais. Como interacção implica sempre um descentrar de mim próprio e um questionar franco e honesto acerca da melhor solução para a situação que nos é proposta.

Creio que nem tudo o que luz é ouro. Abrir o meu coração ao bem é antes de mais nada questionar-me sobre mim próprio, duvidar do meu espírito de sobrevivência e dos pressuposto afectivos de conforto que ele acarreta.

3 de outubro de 2006

NAS ASAS DO SONHO

Chega de me amarrar as desventuras da vida :)

Hoje (re)percebi que o amanhã não é tanto aquilo que eu possa querer mas é sobretudo aquilo que a vida me possa propor. Percebi que o medo é tão só a ausência de sonho que me perturba e não me deixa avançar. É o teimar em ver diante de mim o precipício sem querer perceber a ponte (invisível) que me é colocada sobre os pés para chegar à outra margem.

Faz-me falta este sonho que me molda à vida. Que me faz reencontrar no teu rosto sem nome as razões da minha esperança, nas tuas fragilidades o meu espaço e nas tuas vitórias a verdadeira razão de ser feliz.

Faz-me falta este sonho inconformado que se maravilha na molha descomunal de um passeio debaixo de chuva torrencial não se preocupando muito com a repreensão que se recebe ao chegar a casa.

Faz-me falta este sonho... E se no meu esforço de me tentar embalar nas suas asas, aspirando francamente a ser mais águia do que galinha, me chamarem louco e for incompreendido... Ficarei sereno, será sinal que o medo que me prende está a ficar para trás...

2 de outubro de 2006

REI MIDAS

Na mitologia grega o rei Midas sempre me surgiu como um personagem que me causava alguma repulsa. Cego na sua ganância de dinheiro, quando teve a primeira oportunidade pediu aos deuses que lhe dessem o poder de transformar tudo quanto tocasse em ouro. E assim se viu o gordo anafado emagrecer, definhar e morrer de fome, pois todo o alimento que tocava se transformava em ouro.

Esta semana mudei muito a minha apreciação deste personagem por quem nutro agora alguma simpatia. Percebo que nele se reflecte um pouco da minha existência. Tem-me impressionado imenso, quanto a minha mão, ainda que cheia de boas intenções, pode transformar as coisas em ouro que de nada me serve nem a mim nem a quem me rodeia. Quanta coisa boa consigo estragar por falta de jeito ou simplesmente por fragilidade. Imagino a miséria que o rosto do Midas transmitiria, não de fome mas de desespero de não conseguir emendar-se.

A esperança essa refugiu-a nesses dias nesta racionalidade desencarnada de afectos que me ensina, observando a experiência que me precede, que a vida é como as ondas do mar e que o bem em última analise prevalece naqueles que de coração aberto o procuram (ainda que nos possa contrariar).